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Monotrilho: de tranqueira a deslumbre

Na melequinha condensada da memória, você se lembra: até as eleições, o Monotrilho que ligará a Estação de Vila Prudente até Cidade Tiradentes e Jabaqurara ao Morumbi, passando pelo Aeroporto de Congonhas – coisa do governo do estado, mas colada em Serra e Kassab – era um monstro “caro” que iria “estragar a paisagem” da cidade, e que não deu certo em alguns países. Depois da vitória de Haddad, ele se transformou da noite para o dia em uma solução moderna e eficiente.

Poderia fazer um levantamento completo por órgão de imprensa, mas vou me ater à revista Época São Paulo, em duas matérias:  a primeira de 17.08.2012 e a segunda de agora, em 02.11.2012.

Antes das eleições, a revista destacou alguns pontos do empreendimento que faziam crer que a decisão será um desastre para a vida da cidade, a começar pelo lead:

“Até que ponto vale a pena alterar a paisagem urbana para ter mobilidade?”

“Primeiro cercaram o canteiro central com tapumes de madeira, o que impediu a visão dos motoristas” – (O transtorno dos idiotas)

“Não dá mais para esconder o resultado do trabalho já realizado: eles instalaram 64 pilastras de 15 metros de altura” – (Hã? Como assim? Era pra esconder?)

“O número não deixa dúvidas: a paisagem da cidade será alterada. E vem daí a maior crítica dos opositores do monotrilho.”

“O espaço embaixo delas poderá ficar abandonado, como em viadutos”, diz Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela USP.

“Para quem vai conviver de perto com a novidade, a preocupação é generalizada. E já há gritaria.” (As madames do Morumbi. Povo da Zona Leste sequer foi entrevistado.)

“Há quem argumente que o melhor para o Morumbi seriam faixas exclusivas de ônibus, que dão conta de demandas menores.” (Novamente as madames. E novamente a ideia cretina dos ônibus. O BRT pode ser lindo em outras cidades. Aqui não dá.)

O resto é um arrazoado de comparações, alarmismo e vitimismo, elencando inclusive os países onde o monotrilho virou um monstro sem utilidade.

Já a matéria pós-eleições vem com um tom lulodilmístico, com destaque para a economia em relação ao Metrô, a modernidade (o mais moderno DO MUNDO”), a tecnologia, a quantidade de toneladas, o silêncio e o ponto central, que parece ser o que amolece os corações: a fábrica em Hortolândia com perspectivas de exportar a tal tecnologia.

Por fim, um ponto que antes era o horror: 50 minutos de viagem no trecho total. Hoje, na era Haddad, essa grande distância (natural. Aqui é SP) se transformou numa vantagem com toque debochado: enquanto viaja, você pode ler vinte páginas do livro da moda.

Convém destacar que toda essa epifania repentina em torno do Monotrilho é tomada como certa porque a obra é do governo estadual. Se fosse da Prefeitura sabe lá se não seria adiada? Haddad já mostrou petisticamente a que veio: alegar problemas orçamentários pra não fazer droga nenhuma.

  • Foto: Monotrilho de Sidney: na matéria pré-eleições, uma traquitana sem utilidade. Já podem usar a foto de novo, desta vez como solução inovadora. As propagandas (de tudo) já estão usando imagens assim para ilustrar o futuro do tipo Jetsons…

Minha favela, meu cantinho

Do Estadão:

Um dia após o confronto entre a Guarda Civil Metropolitana (GCM) e moradores da Favela do Moinho, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) acusou o PT de “explorar eleitoralmente a tragédia” e disse que a ação do partido é uma “tentativa de tumultuar”. O prefeito também negou que a GCM tenha sido truculenta. O conflito deixou nove pessoas feridas: três guardas e seis moradores, um deles baleado na perna.

“Estão usando as pessoas simples, com dificuldades na vida, para que com essa utilização haja exploração eleitoral. O PT à frente”, disse Kassab, durante evento no Anhembi. O prefeito afirmou ainda que o tráfico e o PT impedem a ação do poder público na favela. E criticou a atuação do senador Eduardo Suplicy (PT), que foi ao local na quinta-feira. “No primeiro incêndio (dia 17), ele fez de tudo para que os moradores continuassem debaixo do viaduto, todos sabem, tanto é que continuaram” afirmou.

Kassab ressaltou ter distribuído bolsa-aluguel para os desabrigados da favela e defendeu a ação da Guarda Civil Metropolitana. “A GCM não atira com bala de borracha”, disse, questionado os relatos de moradores que dizem ter sido agredidos.

[…]

Que coisa, não?

Quem será que não quer ver favelas na cidade, e quem será que quer? Vamos à memória recente?

“Não adianta mandar a gente para abrigo”, dizem moradores. Então desfaz-se a credibilidade da líder comunitária que disse: “Em nove meses (desde o primeiro incêndio na favela, em dezembro), eles (os agentes públicos) não fizeram nada, tanto que tem gente que mora em barraca improvisada”.

Em suas vertentes, o PT lida com ideias contraditórias. Figuras que lhe são afeitas, como o padre Julio Lancelotti e o senador Eduardo Suplicy, defendem a permanência de mendigos nas ruas e de pessoas em favelas. Pelo que pregam, os dois e sua legião de desmiolados, forma-se um juízo de que favela é um lugar de identidade afirmativa e que mendigo deve ter o direito de viver como quiser, ou seja, na rua.

O candidato petista em São Paulo, por outro lado, promete qualquer coisa em campanha: ora que vai providenciar 55 mil moradias pelo Minha Casa Minha Vida. Em um momento anterior, achou por bem prometer a escritura dos terrenos onde moram os favelados #@!*&!?#!.

É um tantinho difícil de acreditar nessa bipolaridade diária, não? A Favela do Moinho, por exemplo, chupada à exaustão pela campanha petista (neste caso, no vídeo do último link), existe há trinta anos, sobre um terreno do governo federal (RFFSA).

Portanto, ela estava lá durante as duas gestões petistas na cidade (Erundina e Marta), sendo que, em parte da gestão Marta, Lula já dominava o governo federal. Creio que a bipolaridade petista, naquela época, estava com a chave virada para a beleza de morar em favelas (Marta, após incêndios e enchentes, fazia as visitinhas protocolares com galochas).

Aqui um pequeno exemplo da política para favelas de Marta Suplicy/Haddad em São Paulo na época: “Em vez de atendimento definitivo ou cadastramento em um programa habitacional, 716 famílias receberam um cheque de R$ 2.100 cada como “apoio habitacional”. [o chamado “auxílio-barraco”]. Aqui outro exemplo da política habitacional de Marta, com todas aquelas hipóteses lindas no discurso, mas difíceis de fazer na prática. Ela gastou com essa goiabada toda cerca de duzentos milhões de reais.

Serra/Kassab, ao sucederem Marta Suplicy, encontraram um déficit de 850 mil casas. “A situação era ainda mais grave quanto às demandas por urbanização de favelas e de habitações em áreas de mananciais, que foram tratadas sem qualquer grau de prioridade. As poucas obras contratadas não foram iniciadas e não havia recursos previstos para sua execução em 2005.”

A gestão Serra Kassab  viabilizou, desde 2005, a entrega de mais de 20 mil unidades habitacionais, de um total de 34 mil, contando com as que estão em andamento.

Números, né? Torça-os como quiser.  Marta fez algumas unidades habitacionais, é certo. Mas não as suficientes, tampouco as adequadas. Um exemplo das poucas está na foto, que capturei hoje, do tal “Parque do Gato”, antiga Favela do Gato, obrinha da gestão petista.

Imagine você que o “projeto” foi concebido para se adequar a catadores de lixo. Previa um local para guarda de carroças, armazenagem de recicláveis, e tal. E PRONTO. Nada mais foi pensado em níveis razoavelmente decentes. Isso aí é na beira da Marginal Tietê. Me diz em sã consciência como é que uma pessoa pode progredir num ermo desses? Estão longe do comércio, longe de escolas, presos a um trabalho que, nas condições atuais do país, ainda é degradante – manusear lixo. Hoje o local oferece sérios riscos pela sujeira e degradação, até para a vizinhança. Grande parte dos moradores está inadimplente com aluguel e condomínio (sim, quando você faz política de habitação tem de pensar nos rolinhos sem-fim próprios do brasileiro. O PT não pensou). Compra e venda de unidades são feitas na clandestinidade. Marta Suplicy achou fino que grande parte das unidades fosse de quitinetes e de 1 dormitório (são os solteiros descolados da reciclagem, naturalmente).

Então é isso. Política habitacional tem de ser feita com planejamento, e não da noite pro dia. Se até bem pouco tempo o negócio era enfiar os pobres de qualquer num prédio qualquer, eu entendo: a direita e a esquerda tradicionais acham que “é isso mesmo, e está muito bom”.

Mas não pode ser assim. As pessoas em situação vulnerável e até de perigo, como é o caso da Favela do Moinho, não precisam de pseudodefensores com pataquada de “dignidade na favela”, “identidade na comunidade”, o cacete a quatro. As pessoas precisam ter condições de entrar numa vida digna.

Foi para isso que vieram para São Paulo, ou não?

Itaquerão e entorno

Vamos ao que interessa?

Esta semana, governo do estado e Prefeitura estiveram com o pessoal da Fifa no Itaquerão. No estádio, tudo muito bom: 50% das obras já feitas, tudo dentro do previsto, e tals.

Esse foi uma espécie de sinal verde para acelerar as obras do entorno. São operações urbanas  denominadas “Plano de desenvolvimento da Zona Leste”. Abrangem uma área de 10 mil hectares, que chega até o município de Mauá.

Todo esse incremento visa criar empregos descentralizados. “O desafio é direcionar o crescimento de São Paulo nas duas próximas décadas, aproximando trabalho e moradia e diminuindo a necessidade de grandes deslocamentos pela cidade”, afirma a Prefeitura.  Atualmente, Itaquera é uma região-dormitório, e despeja diariamente 1 milhão de pessoas no sistema de transportes da cidade,  em direção ao Centro ou ao ABC, para trabalhar em atividades de baixa complexidade. Isso não é justo nem para essas pessoas, nem para a cidade.

Enquanto candidatos desinformados ficam prometendo mundos e fundos como se a gestão atual simplesmente não existisse, a Prefeitura vem trabalhando, e não é de hoje: estão prontos 10 km da avenida Jacu-Pêssego, que leva ao Grande ABC, à zona leste, e facilita o acesso ao aeroporto de Cumbica e ao porto de Santos, além do Rodoanel Sul, pela Ayrton Senna. Isso propicia a instalação de indústrias no que se chama a zona industrial, as quais estarão na boca da exportação e contarão  com incentivos fiscais (espero que não haja reclamações).

Também está prevista uma verticaização de residências. Isso propiciará áreas mais verdes (lógica que defendemos aqui). Atualmente Itaquera segue o padrão de ocupação irregular na origem, com muitas casinhas completamente cimentadas, de que é exemplo a avenida Catitu. Com a nova realidade, haverá áreas mais verdes, permeáveis à chuva. Também é prevista a proteção a córregos, e a criação de um parque linear integrado ao Parque do Carmo.

Em São Miguel e São Mateus, que são áreas mais adensadas, pretende-se organizar o sistema de transportes, com o alargamento de ruas para acomodar o transporte e melhorar o fluxos viários, e construção de novas vias e terminais de ônibus. Também se prevê a adequação do sistema viário do entorno, com prioridade à acessibilidade a transportes de massa: metrô e CPTM.

O programa prevê a implantação de equipamentos públicos, que ainda dependem de parcerias com instituições privadas: fórum; terminal rodoviário; terminal de ônibus integrado (conclusão da obra em abril de 2013);  Fatec (primeira fase de obras fechada em outubro próximo,  conclusão em 2012); Etec; Senai (em fase de estudo preliminar); incubadora e laboratórios do futuro parque tecnológico da zona leste (em fase de estudos; o local já definido); centro de convenções (estágio preliminar); batalhão da polícia militar (depende de negociações para cessão do terreno à PM); sede da instituição Dom Bosco; e parque linear Rio Verde.

  • Acima, fotinho do polo institucional previsto. Maquetes são sempre lindas, e é claro que pode haver modificações. Mas eu confio mais na gestão atual do que em aventureiros com autismo estudado. E você?
  • Fonte: Portal 2014, PMSP.

Novo ranking de saneamento BR

Tá lá o Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, comentando os números do Ranking do Saneamento, que analisa as cem maiores cidades do país:

Esse novo levantamento do Trata Brasil e os números gerais do SNIS 2010 evidenciam que o Brasil tem um enorme desafio pela frente … (aqui)

Bem, nem precisa continuar. O simples fato de usar a expressão “tem um enorme desafio pela frente” significa que o saneamento está uma merda (com ou sem trocadilho, pode escolher).

Fui lá dar uma olhadinha. Em comparação com o levantamento de 2009, São Paulo (a cidade), passou de 22. posição para 18., o que é de comemorar. E lá venho eu com minhas ponderações de sempre:

Eu acho é muito o que a Sabesp faz, tendo em conta que a cidade, em teoria, tem mais de 11 milhões de habitantes. Em teoria, porque na prática do saneamento, põe mais o dobro disso que vem todo dia trabalhar aqui. Como creio que todos são limpinhos, dão descarga de n. 1 e n. 2, lavam as mãos, lavam louça e muitos tomam banho, então é muito maior a quantidade de gente que a Sabesp atende na cidade.

Põe nisso aí também o fato de que muito do esgoto que paira em São Paulo, no Tietê, vem de cidades lindeiras que capengam muito no ranking, levando em conta que levam pra casa diariamente o dim-dim que ganham aqui.

Quem sou eu pra debulhar esses tabelões, não é mesmo? O que sei é que São Paulo está na cada dos 90%, 95% de cobertura de esgoto (e 100% de cobertura de água). Quando há reclamações de falta de esgoto (e essas sempre vão parar escandalosamente nos jornais), são sempre de regiões fronteiriças, tipassim, vim morar no mato porque é mais barato e agora exijo os serviços públicos). E d-lhe o poder público correr lá pra providenciar infraestrutura.

Eu não ia, não. Porque daqui a pouco está lá a Sabesp em Belllllford Roxo (RJ, 77. lugar no ranking) providenciando cano para novos moradores da “periferia” de São Paulo.

Lapa chic

Vocês viram como vai ficar a Lapa ano que vem?

Quer dizer, é o que se promete. Não que eu duvide da palavra da Prefeitura, mas é que o dinheiro aqui é sempre suado e algo pode emperrar no meio do caminho.

Do Estadão (editei):

[…] A obra, que será financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), deve começar no ano que vem.

A ideia da companhia é enterrar a linha férrea e construir na superfície parque e prédios comerciais.

Dois grandes problemas estruturais precisam ser resolvidos na Lapa. Primeiramente, porque há duas estações, uma da Linha 8-Diamante e outra da Linha 7-Rubi, separadas por 500 metros e sem nenhuma integração. Além disso, a linha férrea acabou separando o bairro em duas porções – as chamadas Lapa e Lapa de Baixo -, uma divisão existente desde os tempos do café.

“Pensamos em fazer algo que não só melhore a integração dos trens como também qualifique o bairro”, diz a arquiteta Fernanda Barbara, sócia do escritório Una Arquitetos, responsável pelo plano. “São Paulo não pode mais pensar apenas em projetos de transporte, mas sim em projetos de qualificação urbana.” […]

Pra quem não conhece, o centrão da Lapa é muito influenciado por um conceito antigo: a atração que a linha de trem exerce sobre o pior do que concebemos como popular: baixo comércio, sujeira e abandono. É de espantar que não haja grandes destaques à violência, já que a área é perfeitamente transitável – mas feia que só.

O grafismo acima é um tanto obscuro, mas dá pra perceber (há mais exemplos aqui) que esse monte de prédios à direita é o conjunto habitacional que se situa “do outro lado” da linha férrea, no que se chama “Lapa de Baixo”, uma região um tanto esquecida. Só para localização, se avançamos mais à direita, onde a imagem não alcança, encontramos uma região com muitas indústrias e com urbanização bem bacaninha, do que é exemplo a avenida Ermano Marchetti. E mais além, a marginal Tietê.

Do lado esquerdo, o centrão da Lapa propriamente dito, como o Mercado da Lapa (que não tem hortifruti, só peixes, carnes e embutidos) e sua via principal de comércio, a rua Doze de Outubro, além do pequeno Shopping da Lapa. Esses elementos não estão identificados, mas creio que o Mercado é aquela construção atrás do prédios mudernos, com aquele telhado em curvas.

No nicho da estação Lapa da CPTM, a gestão Marta fez um terminal de ônibus, organizando as milhares de linhas que seguem em direção à Zona Oeste mais distante. Melhorou bastante, mas não adiantou muito.

Se a ideia é ampliar a pracinha a ponto de virar um parque, alvíssaras! Morei bem perto daí quando voltei para São Paulo, e usufruí bastante do comércio do entorno. Minha vida, desde criança, sempre girou em torno das diversas regiões da Lapa, desde as mais bacanas até esse centrão popular.

As melhorias são bem-vindas, mas espero que não tornem a área mais um alvo neoclássico-da-vida, onde tudo fica padronizado no gosto induzido da classe média emergente.

E sem shoppings madrigalescos, por favor.

De volta, mais do mesmo

Pertenço à corrente que acha bem calhorda o tipo de pensamento comum sobre a “inviabilidade do mundo”:

Agora que nós, ricos, nos esbaldamos à beça em desperdício,
compramos tudo o que quisemos e estamos enormes de gordos,
é hora de cortar as asinhas dos mais pobres
que finalente têm algum tipo de acesso a bens e comida.

Voltei terça-feira de viagem, e tomei contato com o último “episódio” da série “Planeta Terra – Lotação esgotada”, que a repórter Sonia Bridi desfia no Fantástico há algumas semanas. O assunto do último domingo foi São Paulo – cidade insustentável?

Bem, a escolha é óbvia. Ninguém pensaria em abordar tal assunto no Rio de Janeiro, por exemplo, até porque pegaria mal para quem abrigou a Rio +20 e só mostrou aos representantes estrangeiros, às menininhas-musa e aos índios as belezas da orla urbanizada. Em outras metrópoles, como Belo Horizonte, Recife ou Fortaleza, isso simplesmente não interessa.

A matéria começa com congestionamento. Já cansei de dizer aqui que isso é uma falácia. Congestionamento tem em um monte de cidades. Só varia de acordo com o nível de interesse/atração que elas despertam. No dia em que Jabiraca do Norte for polo de empregos e riqueza, daí você me conta como estará o trânsito por lá. Isso já acontece em um monte de municípios, e pior: sem estrutura viária para tanto. O excesso de carros tem que ver com uma série de fatores econômicos, sociais, culturais, de infraestrutura. Não com a a cidade em si.

Depois lasca no coitado do Ceasa. O horror, o horror!: 10 mil toneladas de comida. Ora bolas, se são 11 milhões de habitantes, isso dá 1 quilo de comida por dia/habitante. Isso porque ela não contou com as cidades satélite que vêm todo dia trabalhar e comer aqui. Não somos tão glutões nem desperdiçamos mais que qualquer brasileiro.

O entrevistado, presidente do Instituto Akatu, Helio Mattar, disse: “Os brasileiros, de modo geral, administram mal a comida. A estimativa é de que 30% da comida que entra em uma casa são perdidos”. Quer dizer, o pecado é do brasileiro, mas o estigma fica em São Paulo, tendeu? A megadimensão da cidade impressiona os espíritos mais ingênuos.

Prossegue, mencionando o “trânsito travado”. É chato e decepcionante dizer isso, mas o trânsito de São Paulo não é travado. Isso só acontece quando há acidentes. São muitos, mas são acidentes. Geralmente com caminhões. Quando não acontecem, a marginal, por exemplo, é uma delícia.

O lixo tóxico: São Paulo gera muito lixo tóxico, mas outras cidades geram muito mais. Ao contrário de São Paulo, estas últimas não têm um programa de controle de emissão de poluentes, eventualmente não recebem automóveis e caminhões de outras cidades nem programa de arborização. Como eu disse, é só uma questão de quantidade, não de DNA.

Prossegue no rosário de lugares-comuns, como má distribuição de água, a falta de planejamento urbano, a quantidade de carros, a malha “pequena” de metrô, e finalmente a suprema cretinice: São Paulo “chupa” energia de Itaipu.

E finaliza com o melhor: pai de bebê imagina uma cidade mais justa para o futuro. Isso, naturalmente, não se dará pelo empenho dele na educação da criança, mas por um passe de mágica – que só deve acontecer em… São Paulo. Jabiraca do Norte é fora de cogitação.

Talvez o melhor mesmo seja que São Paulo suma do mapa, e que o Brasil viva feliz com suas cidades médias, plenas de emprego e qualidade de vida, planejadíssimas e respeitadoras conscientes do meio ambiente.

Pouca gente, pouco carro e tal…

A desgraceira da mão de obra nacional

Há algum tempo mencionei aqui a necessidade de São Paulo de importar técnicos espanhóis para obras na cidade, porque a mão de obra nacional, ó, não chegou lá onde se precisa.

Brasil é bola da vez e SP é pole position, diz Afif a espanhóis

A coisa caminha. Estou lendo aqui no Afif Domingos, sobre um seminário a respeito da parceria ocorrido essa semana. Editei alguns trechos:

[…] a relação entre os Governos de São Paulo e de Madri deu mais um passo em direção a parcerias em projetos de infraestrutura no território paulista. Um dos primeiros contatos foi em março, quando Afif esteve na capital espanhola em missão política e particular. Com as parcerias […] São Paulo poderá acelerar projetos fundamentais – como os de mobilidade urbana, logística e saneamento. Os empresários de Madri, por sua vez, podem investir em negócios sólidos e com alto retorno financeiro. E hoje esses empreendedores espanhóis conheceram os projetos do governo paulista a serem abertos para investimentos externos via parcerias público-privadas (PPPs). A apresentação foi feita por Afif, que preside o Conselho Gestor do Programa Estadual de PPPs.

“Os empresários espanhóis tiveram afinidade total com as nossas prioridades porque são especialistas. Na sequência teremos dois níveis de contato. O primeiro será intergovernamental – acordos entre SP e Madri para criar um modelo de gestão de mobilidade urbana”. O segundo nível de contato, de acordo com Afif, será com as empresas interessadas em investir nesse modelo criado. “E aí tem muita empresa espanhola especializada que pode vir com apoio do próprio governo de Madri ou da Espanha, para investir na nossa infraestrutura em associação com empresas privadas no Brasil. Isso se chama transferência de tecnologia”.

O governador Geraldo Alckmin frisou que São Paulo é um “porto seguro” para novos negócios e lembrou que a maior parte dos 700 mil imigrantes espanhóis no Brasil estão em território paulista. “Então vocês estão em casa”, disse, dirigindo-se aos empresários.

Pole position

Afif revelou que o governo quer captar R$ 25 bilhões no setor privado em termos de parcerias público-privadas. “Estamos buscando PPP não por falta de recursos públicos, mas sim para incorporar a governança corporativa privada em nossos projetos públicos, para deixar o processo mais dinâmico”. “Temos tradição em PPP. Exemplo disso é que das 20 melhores rodovias do país, 19 estão no estado de SP, graças a concessões feitas para a iniciativa privada”.

Em sua exposição, o vice-governador dividiu o portfólio de projetos em três áreas prioritárias: mobilidade urbana, logística e saneamento. Ele citou a ampliação do metrô e implantação do trem expresso metropolitano, com trens a 160 ou 180 km/h para substituir automóvel, para aliviar o tráfego nas rodovias paulistas. “Essa rede vai atender regiões do estado que juntas representam 60% da população paulista. […]

“A Europa, especificamente a Espanha, tem expertise e liquidez dos agentes internacionais. Essa é uma crise com grande liquidez no mundo. É o momento de entrarmos nos projetos de infraestrutura com possibilidade de grande retorno financeiro para vocês. O Brasil é a bola da vez e São Paulo está na pole position”, destacou Afif.

Desafio lançado

O presidente do programa de PPPs disse que a meta é, entre 2012 e 2015, construir 32,8 km de metrô – média de 8,2 km por ano (sendo que hoje a média é de 2 km por ano). “Temos o sonho de construir 120 km de metrô até 2018. Está lançado o desafio”.

Afif também falou sobre a fábrica de medicamentos (pronta para funcionar e com projeto aberto a propostas); a construção e reforma de hospitais; o projeto de conteúdo digital para escolas públicas; a construção de presídios e de parques tecnológicos; o ferroanel, para que o transporte de carga passe a ser feito por trem e não mais por caminhão; a concessão do Porto de São Sebastião para a iniciativa privada; a construção e ampliação de hospitais.

[…]

Afif e Aurelio García de Sola (que veio representando o governo de Madri e preside a empresa Madri Netwok) assinaram protocolo de intenções na área de mobilidade urbana, entre SP e Madri.

Na política, a gente deve se ater  a nomes. Gostamos muito de fazer cálculos entre partidos, mas esse caminho só tem dado encrenca. São os NOMES – não eles em si, mas o que significam, o que fizeram, o que fazem e como fazem – que formam uma cidade, um país. Afif está nesse seleto círculo. Nosso vice-governador, um homem cuja vida é dedicada ao estado e à cidade, e não um penduricalho oriundo de arranjo político.

São Paulo foi buscar mão de obra espanhola porque, para o que se pretende fazer, não há qualificação no país. Isso, isso que você está pensando – nem na elite da mão de obra há quadros. Isso me lembra as grandes cidades brasileiras no século XIX – São Paulo e Rio, as maiores -, que até certo ponto só sabiam revirar tacho de marmelada. Chegaram os estrangeiros. Muitos eram simples roceiros (mas briosos e vencedores), mas outros vieram com experiência urbana: ourives, químicos, engenheiros, mecânicos, especialistas em qq. coisa que houvesse de mais avançado, e foi por isso que hoje podemos, por exemplo, usar um simples óculos.

Que seja assim novamente. Já dá pra adivinhar que haverá chiadeira pela crise que já chegou, sob o argumento de “desprezar nossa mão de obra” nativa, mas, sinceramente, dane-se! Ninguém vai pra frente olhando pra trás.

Mais síndrome do Patinho Feio

Liguei a TV agora pela manhã e vi uma Paris hollandaise cinzenta e chuvosa. Mesmo assim, certamente cheia de turistas brasileiros macaqueando em frente à Torre Eiffel, aqueles mesmos que apontam São Paulo como  cidade cinzenta, chuvosa e… poluída por excelência. (Bien, aqui já vimos que SP, justo por conta da síndrome do Patinho Feio, não é exatamente a cidade mais poluída do Brasil).

Pois bem, agora é o verde: a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente estudou o índice verde da cidade e chegou aos seguintes números (do Estadão):

A mancha urbana de São Paulo tem 2,6 metros quadrados, em média, de área verde pública de lazer – que engloba praças e parques – por pessoa. […] alguns bairros, na região central e na periferia, enfrentam paisagens ainda mais cinzentas. Mesmo com a maior área de mata da cidade, Parelheiros, por exemplo, tem 0,29 m² de praças e parques por habitante, pior resultado.

Para medir o verde da cidade, a Prefeitura usa dois índices diferentes. No primeiro, composto apenas por áreas públicas que podem ser frequentadas pela população, a capital deixa a desejar. O segundo, que inclui grandes áreas de preservação ambiental fora do perímetro urbano e nos extremos da cidade, como as Serras do Mar e da Cantareira, é de 12,5 m² de área verde por pessoa, atingindo a meta internacional de 12 m² por habitante.

Apesar de ter a segunda maior área de Mata Atlântica do País (atrás de Santa Catarina), São Paulo tem resultado geral menor do que Curitiba, por exemplo, com 64,2 m² por cidadão.

Os critérios de medição criam polêmica entre os especialistas. “O problema de São Paulo é distribuição espacial de cobertura vegetal, com índices bons em áreas rurais e em bairros como Pacaembu e Jardim Europa, e baixíssimos no centro” […]

A Mooca, na zona leste, por exemplo, é um dos locais que apresentam situação crítica. Lá, o índice de verde por habitante é de 0,35 m². Como na maioria da cidade, a falta de planejamento é responsável pelo excesso de concreto. “Na Mooca, o que predominou foi o uso industrial. Nas periferias, a ocupação foi irregular”, diz Patrícia.

Os índices de áreas de lazer são menos de 1 m² por pessoa em mais de um terço das subprefeituras da cidade. Enquanto isso, bairros de classe média de zona oeste estão bem acima de média geral.

Concorrência. A falta de verde faz com que o pouco que exista seja disputado. É o que ocorre em Pinheiros, na zona oeste, com seus bem distribuídos 5,25 m² de verde de lazer por habitante. A Praça Coronel Custódio Fernandes Pinheiro, mais conhecida como Praça do Pôr do sol*, fica lotada nos fins de semana. “É democrático que pessoas de toda a cidade usem espaços como este nos bairros nobres”, diz a professora Sílvia Bittencourt, de 58 anos, moradora do bairro.

Com o objetivo de difundir áreas verdes, a Prefeitura tem a meta de criar cem parques. Hoje, são 81 – 43 criados desde 2005. “Estamos correndo atrás do prejuízo, não se muda uma realidade de 50 anos em quatro ou cinco anos”, diz Patrícia.

A ambientalista e integrante da Rede Nossa São Paulo, Nina Orlow, alerta que não basta a criação dos espaços. “A secretaria aumentou o número de parques e praças, mas a manutenção é desleixada”, diz Nina. No Parque Linear do Taboão, na zona leste, a reportagem do Estado encontrou até barracos.

Um dos principais problemas enfrentados pela Prefeitura na criação de novos espaços verdes é a supervalorização dos terrenos. Uma das alternativas para amenizar o problema é investir nos parques lineares, nas margens dos rios, que são áreas públicas, aponta o ambientalista Mário Mantovani, da SOS Mata Atlântica. “Além disso, não faltam áreas públicas ocupadas de maneira irregular”, diz.

Patrícia afirma que uma das apostas para tornar São Paulo mais verde é dar benefícios financeiros para particulares preservarem seus terrenos. “Já há uma lei que dá desconto no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) para quem preservar terrenos particulares. Mas muita gente não conhece “, diz.

Bem, em SP tudo precisa partir do pressuposto de que o Brasil continua vindo pra cá, o que leva a cidade a um patamar de considerações bem diferente do de outras cidades. Aqui não há lugar mais para uma pulga sequer. A cidade está imensa, supervalorizada, e a expansão sem controle continua.

E você há de concordar comigo que é um tanto cretino creditar índices ótimos de verde a um invasor da Cantareira ou da Serra do Mar. Não vale. Não vale nem pra artista eu-quero-uma-casa-no-campo, nem pro invasor comum:

Se a foto servisse pra apontar os telhados cinzas (tudo favela), seria injustiça com os favelados. As classes média e alta também são dadas a uma invasão “em busca do verrrrde”, a passos bem mais largos que os pobres, via incorporadoras poderosas. É a coisinha do “refúgio”. E onde todo mundo se refugia, já viu! Aliás, essa esquizofrenia individualista do cidadão paulistano merece algumas linhas:

Faz umas semanas houve um massacre do jornalista Raul Juste Lores, que questionava o protesto de moradores de Pinheiros e Vila Madalena “contra a verticalização” do bairro. Os comentários não são exatamente dignos de pessoas felizes respirando ar puro numa pretensa área a ser preservada (aliás, não gostaria de cruzar com elas em lugar algum).

Pelos ferozes, malcriados e nonsense argumentos dos leitores, fiquei pensando em o que exatamente os reclamantes entendem por verticalização e falta de verde. Naturalmente referem-se ao que acontece depois de eles mesmos terem se aboletado por lá, em seus prédios sujos sem garagem e em seus sobradinhos aumentados ad infinitum e feios de doer, onde o jardim deu lugar, pelo menos, a uma garagem monstrenga.

Sinceramente, Pinheiros e Vila Madalena!… Bem melhor prédios “neoclássicos” (onde vocês morariam ao menor convite), com área construída mínima, jardim, garagem e manutenção, do que aquelas gaiolinhas plenas de cimento e piso, umas grudadas às outras, cheias de grades improvisadas, num visual geral mais feio que vender a mãe.

Sou partidária de quanto mais área verde, melhor. Acho ótimo que a gestão Kassab tenha aproveitado qualquer brecha de terreno pra fazer parques. Idem o governo do estado.

Mas não acho, sinceramente, que o povo mereça, muito menos que tenha moral para reclamar do que quer que seja. Vai dar uma olhada na tumba onde a criatura mora e me diz se ela está preocupada com o verrrrrlrlrlrlrrrrrde da cidade.

De qualquer modo, ambos os governos – prefeitura e estado – vêm lutando na contramão para reverter a tal “lógica urbana” que vigorou por décadas em SP, e vem conseguindo. Resultado: São Paulo, hoje, tem muito mais parques do que muito município metido a natureza-com-arara-e-mico-leão-dourado. Os problemas existem, mas são pontuais. É melhor assim do que deitar em berço eslêndido, não é mesmo?

* A praça do Por do Sol realmente oferece paisagens lindas, mas certos frequentadores dão medo.

Senão vejamos…

Pescando notícia do Estadão de 15 de abril último. Foi domingo, cheguei a ler, mas não tive tempo de falar sobre:

O sistema de trens de passageiros da Região Metropolitana de São Paulo atingiu os 7,1 milhões de pessoas transportadas por dia. A marca é recorde na média de dias úteis de março e aponta acréscimo de 1,2 milhão de passageiros nos trens da CPTM e do Metrô em relação ao mesmo mês de 2011, quando foram 5,9 milhões.

O aumento de 20% na demanda equivale ao total transportado por dia na rede do Rio de Janeiro. Ainda são 200 mil pessoas a mais que a população de Campinas, a maior cidade do interior paulista. “Em um ano, crescemos um Rio de Janeiro no sistema”, confirma o secretário dos Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes.

Com toda essa massa se deslocando nos vagões, o desconforto dos passageiros não tem data para acabar. Pelo menos nos próximos três anos, segundo especialistas, viajar de trem em horários de pico será tarefa muitas vezes disputada no braço. A cena é comum em estações como Luz, Brás e Pinheiros, que oferecem integração gratuita entre Metrô e CPTM, consideradas os principais gargalos nos trilhos. Em muitos casos, o simples ato de entrar ou sair dos trens ou conseguir lugar no vagão vira uma batalha. A malha tem 89 estações e atende 22 municípios. “Não há como oferecer conforto adequado no pico”, reconhece o secretário […]. Para ele, a demanda ainda vai aumentar até chegar a 9,2 milhões de passageiros por dia em 2014.

Agradável não é, mas há certas coisas na vida… O fato é que São Paulo vive uma fase de transição que – quero crer – se estabilizará dentro de alguns anos. Isso é bem diferente de governo não ligar pra transporte urbano, e é mais diferente ainda de chamar de metrô uns trens adaptados.

Temos abordado aqui que a expansão e interligação da rede de Metrô, aliadas à reforma na malha ferroviária (e à interligação entre tudo com apenas uma passagem) tem atraído muitos passageiros – de ônibus.

São pessoas que trocaram o pior pelo menos pior. Isso numa cidade em que se acha normal e adequado morar a 100 quilômetros do trabalho.

Repito o que disse outro dia: com menos usuários de ônibus nas ruas, o motorista de automóvel viu boa chance de botar sua carroça na rua, e o trânsito voltou a piorar. É o efeito paulistano: a cada melhora para X, acorrem 2X, 3X de gente. Quando isso vai acabar? Não sei.

Agora, achei um milagre o seguimento da matéria, com a análise honesta de um especialista, este tipo tão nosso amigo aqui no Flanela:

Para o professor de ferrovias da Escola Politécnica da USP, Telmo Porto, pico confortável é inviável. “Isso não existe”, diz, destacando que o desconforto dos passageiros não tem solução a curto prazo. Para ele, o forte impacto no fluxo de passageiros pode ser explicado por pelo menos quatro fatores: bilhete único, novas estações do Metrô, aquecimento da economia e política de ocupação do solo da cidade. Tudo isso, segundo o professor, aumenta a pressão sobre o fluxo de passageiros em uma rede ferroviária que foi construída para demandas bem menores.

O especialista lembra ainda que há anos falta a São Paulo uma visão sistêmica do transporte. “Trens, trilhos, subestações, rede elétrica, sinalização. Tudo precisa estar muito ajustado para o sistema funcionar.” Mas Porto está otimista. “Em dois anos estaremos melhor do que estamos hoje”, declara. “Há muitas ações sendo feitas no sistema.”

Bem, quem sabe um especialista dizendo que “há muitas ações sendo feitas no sistema”, o pessoal acredite.

Mas o que gostei mesmo foi o que ele disse sobre a inviabilidade do horário de pico confortável: “Isso não existe”. Pessoalzinho que bate panela exigindo simplesmente o máximo de tudo, eis o mesmo cidadão que não colabora no fluxo, se aboleta do lado esquerdo da escada rolante, entra pelo lado errado da porta, permanece na área crítica de circulação (ainda que vá descer uma estação depois do inferno) e vocifera contra o prefeito e o governador na área de comentários em jornais.

Bem, separei alguns horários de pico pelo mundo pra você tirar uma linha e depois me dizer:

Olha que andei dando uma vista d’olhos nos Metrôs brasileiros. Mais aí não vale. Embora eles também atraiam muita gente, geralmente levam do nada para lugar nenhum, e alguns, creiam, são trens travestidos de metrô.

Portanto, quem quer usufruir das vantagens de uma cidade grande e desenvolvida como São Paulo tem de ter paciência nesta fase de transição – ampliação das linhas de Metrô, criação de cruzamentos temporariamente críticos no Metrô e obras de melhoria no sistema de trens.

E esperar pelo pior: quando as malhas ferroviária e metroviária da cidade conseguirem alcançar o ideal de hoje, aí será hora de repensar tudo, porque a população da cidade estará triplicada.

Então continua praticamente proibido…

Da Folha:

Brasil tem ao todo 65 hospitais credenciados (habilitados? Viáveis? Equipados? Equipados com gente? Não sei) para a interrupção de gravidez caso a mãe opte por isso, no caso de anencéfalos.

Bem, tire daí os 11 hospitais aptos do estado de São Paulo (7 no interior e 4 na capital) e um único no estado do Rio, sobram 53 hospitais. A reportagem só informa que Roraima e Paraná são os estados que ainda não possuem o tal credenciamento. Não foram divulgados quais os hospitais credenciados e onde eles estão.

De qualquer modo, acho estranho (que Paraná, um estado desenvolvido, não tenha). Onde, então, estão os outros?

Resta ter acesso à lista e à lógica médica/do SUS. Talvez  se misturem aí componentes outros que não meros critérios de acesso a procedimentos médicos.

***

Não tão intrigantes são os dados da Organização Mundial de Saúde: o Brasil é o quarto país do mundo com maior número de “nascimentos” de bebês com anencefalia (ausência total ou parcial do cérebro). A incidência é de cerca de um caso para cada 700 nascimentos por ano, com uma média de 615 mortes em decorrência da doença. Incidência de nascimentos 50 vezes maior do que em países como França, Bélgica…

Entram aí fatores nutricionais ou subnutricionais? Pode ser. Mas enquanto as futuras mamães tratam de se entupir de alimentos ricos em ácido fólico, é bom pensar que não dá pra igualar esses dados. Explico.

Apesar de opaca, a causa primeira dessa discrepância entre países está no fato de que, até ontem, no Brasil, não se podia interromper a gravidez em razão de anencefalia. Então é natural que se tenham registrado mais partos de anencéfalos, o que não chega a ocorrer em alguns países onde a legislação libera a interrupção da gravidez logo após o diagnóstico.

Isso também explica o fato de países pobres/com problemas de nutrição como Bolívia e Equador terem taxas baixas de nascimento de anencéfalos (suas legislações permitem o aborto nesse caso, não chega a haver nascimento, então não há registro), e países mais desenvolvidos terem altas taxas de nascimentos de anencéfalos: no Chile, p. ex. – lá tal tipo de aborto ainda é proibido.

Essas ponderações eu li num informativo do  Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), de onde destaco o trecho final, bem interessante:

A distribuição geográfica da prevalência de partos de anencéfalos no mundo apresenta praticamente o mesmo padrão que o mapa dos países que impõem restrições legais à interrupção destas gestações. Logo é possível concluir que, havendo a possibilidade de escolha, as pessoas optam por não gestar fetos anencéfalos. Isso, evidentemente, corrobora a segunda hipótese, a de que a maior incidência de partos de anencéfalos no Brasil, em relação a outros países do mundo não é apenas resultado de maiores carências nutricionais, mas, principalmente, à existência de obstáculos para que a interrupção da gestação seja feita em tempo hábil e sob condições de saúde adequadas.

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Portanto, pra começar, sem igualdade de legislação não dá pra apontar muito mais causas de malformação.

Gostaria muito de ter um mapa da incidência de anencefalia no Brasil. (Pra falar a verdade, fica difícil achar alguma coisa no palheiro que se instituiu na net por esses dias. Sinceramente, produziu-se muito lixo.)

Encontrei um ou outro estudo local, restrito a cidades ou a alguns hospitais, mas nada geral. Entretanto, topei com uma afirmação médica a respeito da maior incidência de anencefalia no estado de São Paulo.

Aí também não vale, devido a pelo menos outras duas discrepâncias: o acesso ao serviço de saúde e a prática da notificação. Tomemos esta estatística do Ministério da Saúde, 2003 (fonte):

Tendeu, né? Em não havendo direito ao pré-natal, esqueça o resto.

Então voltamos aos tais hospitais credenciados, e ao anúncio epifânico do Ministro da Saúde sobre “mais 30 hospitais sendo qualificados para a prática do aborto de fetos anencéfalos até o final do ano”.

Debatinhos acalorados pra lá e pra cá, há regiões onde brasileiros permanecem no puro estado de natureza, com tudo de mórbido/grotesco/miserável/indigno que isso implica.