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Falta de foco

Todo fato deve ser analisado à luz do que realmente é, e não da gritaria geral, não é mesmo? Acabo de topar com uma notícia na Folha cuja manchete é: “Prefeitura de SP paga entidades da saúde por consultas não feitas“.

Daí neguinho vai lá e pensa: “humm, como as OS são safadas, com querem roubar!!” (sim, o serviço público é um baluarte da honestidade…), naquela mania horrorosa de não ler tudo, não ler direito, não ter nem histórico pra pensar no assunto.

Daí você vai lendo com paciência e percebe que impõe-se nesse caso, mais uma vez, um problema sério: a falta de especialistas, a desvontade médica de trabalhar láááá no Marsilac, enfim, a falta de estratégia geral do poder público, que não se preparou para a avalanche de gente que subiu na vida (artificialmente ou não) e agora pode marromenos tratar suas mazelas como um ser humano comum.

Isso tem, mas lá no finzão da matéria é que vem o pior, a principal causa dessa defasagem de atendimento, o que já era um drama geral, especialmente no serviço público direto de saúde: a mania das pessoas de faltar a consultas e exames.

A marcação de consultas e exames na rede pública é um troço bem mais dramático do que no serviço privado (particular e convênio). É muita gente pra atender, os funcionários se viram num sistema que por decreto é pesado, lento, confuso e tão defasado quando um site da Receita Federal. Daí que pra agilizar a agenda do médico do dia fica impossível. Não há uma alma sequer disponível no posto de saúde ou na coordenadoria ou no hospital pra fazer a fila andar, pra telefonar e realocar pacientes, pra cobrir rapidamente aquela consulta esvaziada, ou mesmo pra confirmar consultas com um dia de antecedência.

Existe uma realidade que nunca vai mudar: existem pessoas organizadas e pessoas confusas. Mesmo pessoas confusas às vezes conseguem se programar para uma consulta dali a quatro meses, mas muita gente se embanana, por vários motivos: ou é confusa mesmo e esquece, ou finge que esquece porque o psicológico dela quer fugir de certas realidades. Tem de tudo, tem no mundo inteiro e não dá pra mudar isso.

O que dá pra mudar é a maneira de lidar com isso. A rede pública (OS incluídas) não pode mais agir como se fosse um ente superior que faz um grande favor em atender as pessoas, faltou, faltou, azar o seu. Tem de ser do interesse do Estado que a pessoa venha se tratar.

“Ah, mas é muito difícirrr, a gente trabalha muito e…”. Entendo. Então sindicatinho e associações, em vez de só se preocupar com vale isso vale aquilo, poderiam se reunir com as direções e o Estado e bolar uma fórmula de evitar tanto absenteísmo.

“Mas como? como? COMO”?

Pergunta ao Einstein, oras… Ou você acha que lá também não tem paciente que dribla consulta?

Na hora do vamuvê, São Paulo

Eu meço – eu; não sei os outros -, eu meço cidades pela disponibilidade de café expresso em boa fatia da periferia. Se tem, é uma metrópole; se não tem, não é. Sinto muito, não há desculpas para privar uma alma de tomar um café expresso onde quer que esteja. Outro dia entrei cambaleando de sono na padaria, pedi um pão na chapa com café mas esqueci de especificar. Lá me veio o café comum, de copo. Tomei porque era cedo e porque não tenho chiquê. Mas não foi uma epifania, não.

Folha de hoje:

Apesar do interesse internacional pelo Rio devido à Copa e à Olimpíada, em janeiro, a sede do “New York Times” pediu a seu correspondente no Brasil uma longa reportagem sobre cultura e estilo em São Paulo.

Também no início do ano, a chefe do escritório da CNN no Brasil, Shasta Darlington, decidia qual cidade seria alvo de uma série de reportagens: São Paulo ou Rio? Ganhou São Paulo.

As reportagens saíram nas últimas duas semanas, no jornal e na TV. O viés foi francamente positivo. “A nova nova São Paulo”, deu o “NYT”. Na CNN, “São Paulo: capital cultural do Brasil”.

[…]

“O centro é a parte de São Paulo que mais me fascina”, diz o correspondente Simon Romero, do “NYT”, que morou na Bela Vista, região central, nos anos 90 e hoje dirige o escritório do jornal no Rio.

Já quando a CNN precisou decidir onde estabelecer seu estúdio no país, há dois anos, optou por São Paulo, com vista para a Marginal Pinheiros.

“Decidimos que era mais sério criar o escritório na capital financeira”, diz Darlington. “Adoro o Rio, mas queremos tratar o país com uma cobertura mais séria.”

Outra face da cobertura internacional sobre São Paulo é a imagem de sua opulência financeira, destacada regularmente, por exemplo, no “Wall Street Journal”.

O jornal econômico chegou a eleger no ano passado um “símbolo oficial do boom de investimento” no Brasil: a torre Malzoni, na avenida Faria Lima, onde se instalaram o banco de investimento BTG Pactual e o Google.

Outros símbolos poderiam ser os restaurantes de cozinha premiada e os helicópteros em revoada às sextas, lembrados pelos correspondentes do “Financial Times” e da “Economist”.

MUNDO LIVRE

Com tais imagens sendo transmitidas ao mundo, São Paulo tem como conquistar a grande feira mundial Expo 2020? E o que a campanha lançada por Gilberto Kassab (PSD) no final de seu mandato e abraçada agora pelo prefeito Fernando Haddad (PT) poderia destacar?

Para o publicitário Nizan Guanaes, a cidade “tem algo que não é tangível, que é a energia de São Paulo, uma energia do novo mundo, livre, de uma cidade plural”. Grande rival na disputa, “Dubai não tem isso”. Também não tem sua “criatividade”.

Outro ponto para Guanaes é a necessidade de São Paulo contornar a burocracia, espelhando-se na experiência do Rio para a Copa.”Se São Paulo vai querer ser competitiva, não pode ficar num mar de regras”, diz ele.

O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim vai pela mesma linha. A cidade “é considerada uma metrópole criativa, dinâmica”, e “é preciso saber mostrá-la sublinhando as suas peculiaridades”.

Pragmaticamente, defende destacar as “boas condições de turismo receptivo” e, entre as lições cariocas da campanha pelos Jogos, a presença do presidente Lula na busca de votos para a cidade.

Problemas não faltam, admitem o publicitário e o urbanista, citando infraestrutura como exemplo.

Já a chefe do escritório da CNN, moradora de Pinheiros, aponta um desafio principal, se São Paulo quer atrair eventos: “Sem melhorar o transporte, não é uma cidade boa nem para morar”. (aqui)

Bem, a moça da CNN não experimentou morar em Madureira. Fora isso, eu acho que até o IDH da ONU é mais especificador do que as comparações brutas do IBGE que temos entre cidades brasileiras. Talvez as editorias dos jornais estrangeiros tenham percebido isso e, indiretamente, ajudem na candidatura de São Paulo à Expo 2020. Assim espero.

Chovendo no molhado

De Sonia Racy, hoje no Estadão, com um título irônico:

Inspiração

A Prefeitura fez as contas. Duas mil pessoas que vivem nos albergues da cidade… trabalham.

Com base neste dado, Haddad lançou, ontem, o programa de formação profissional para população de rua.

Ora, ora, nem sei se outro prefeito não recorreria à mesma patifaria, mas é como se Haddad em pessoa chegasse até mim e dissesse: “Nossa! Ficamos sabendo que você é revisora, por isso estamos lhe oferecendo um curso de revisão inteiramente grátis.”

Nesse e em outros casos, o sistemão político-administrativo passa longe de fazer a leitura certa, mas adere alegremente à que convém.

Se 2 mil pessoas trabalham e vivem em albergues, é porque NÃO TÊM COMO MORAR em lugar algum. Seja pelo alto preço dos aluguéis ou pela impossibilidade existencial brasileira de adquirir um cantinho.

Das quatro, uma:

1) Ou o Brasil se emenda e para de mandar mendigo pras cidades grandes (sim, boa parte da mendicância vem de cidades pequenas, onde ninguém dá esmola e a prefeitura não incentiva sua estada).

2) Ou a Prefeitura bola umas quitinetes onde a pessoa possa morar de graça, ou pagando um aluguel simbólico.

3) Ou a Prefeitura dá essas quitinetes, cuidando que não sejam objeto de especulação, e sim de moradia de fato.

4) Ou deixa tudo como está, incentivando o estudo para termos doutores coalhando as calçadas da metrópole.

Aloprados com sede de câmera

Há malas que vão pra Belém… O episódio da semana em que a PM pediu para o apresentador José Luís Datena conversar com sequestrador que fez refém sua própria família a troco não sei de quê em Diadema é um desses marcos que mudam certos hábitos e mentalidades.

Aposto que a esta altura o comando da corporação já proibiu esse tipo de veleidade.

Ninguém pode botar o destino desse tipo de coisa nas mãos de um mero apresentador de TV, por mais habilidoso que seja. A PM paulista é uma entidade que existe desde os tempos de Dom João. Não de “dom João Charuto”, como diz a expressão, mas de dom João VI mesmo. Legalmente, existe desde 1831, por iniciativa de Rafael Tobias de Aguiar, e é a maior do Brasil. Desde então, vem se fortalecendo e se aperfeiçoando, contando com treinamentos e um sem-número de cursos para seus integrantes.

Entre eles está o Curso de Negociação de Crises com Reféns, que segue complexas normas internacionais. Inxcrusível, o Gate – Grupo de Ações Táticas Especiais  – é tão bom nisso que é chamado para lecionar para corporações de outros estados.

O curso dura quase um mês, ou seja, não depende de carisma ou simpatia pessoal. Depende de técnica, técnica, técnica.

Vamos ver uma opinião abalizada, a do coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, saída hoje no UOL:

“Há uma série de procedimentos a serem seguidos numa negociação com um sequestrador”, diz Silva Filho, que também é coronel da reserva da PM. Entre eles, explica, está o corte de energia, para evitar que o criminoso assista na TV à situação do sequestro. “Isso pode deixar o sequestrador mais nervoso e piorar as condições para a negociação”. […]

Não é uma mera questão de persuadir o sujeito a se entregar. O negociador treinado, ao mesmo tempo, avalia o grau de risco para reféns e a possibilidade de invasão tática [nome técnico para invasão da polícia do local onde está o sequestrador e os reféns]”.

Ainda segundo José Vicente, “é colocar um amador numa tarefa profissional de grande risco, uma microcirurgia”. […] “Não é indicado trazer ao diálogo pessoas não preparadas para a tarefa, como familiares e personalidades”.

Não acho que seja o Datena o errado. Contraditoriamente, apesar do risco que ele mesmo apontou,  e do arrependimento após o final bem-sucedido, isso lhe rendeu altos pontos no já alentado currículo.

Errado esteve não a polícia, mas o oficial que teve a brilhante ideia. Não pode existir, nem na PM nem em qualquer outra entidade pública, essa misturinha com purpurina televisiva. É bom que marginais, a TV, a PM e o público tenham isso em mente, por mais que solape alguns minutinhos de entretenimento.

Ainda a saúde: constatações

Eu com a boca aberta, só na base do ahã-ahã, e minha dentista: “Você viu o caso do noivo que morreu?

Àquela altura havia me convencido de que o caso tinha sido um fatalismo mesmo.  Você lê desgraças no jornal, e tal, e fica à procura de falhas no roteiro. Todos nós fazemos isso, mas aquilo me convenceu da obra do destino – muito embora meu pai tenha elaborado bastante sobre a idiotice de alguém enfiar uma flute no bolso.

Depois – e as primeiras notícias não tinham entrado nos detalhes – é que ficamos sabendo que os parentes o enfiaram num carro e o levaram para uma UPA 24 horas em Cocotá, na Ilha do Governador, e que lá – uma madrugada de domingo – só havia uma enfermeira, incapaz de prestar um primeiro atendimento, por mais inicial que fosse. O rapaz chegou morto ao hospital municipal Paulino Werneck, também na Ilha do Governador.

Bem, só estando lá pra saber, mas o fato é que cidadãos brasileiros – ao contrário dos americanos, p. ex. – não têm cultura de primeiros socorros. Se você achar de ter um treco ou sofrer um acidente entre humanos comuns, pode ter certeza que levará seu intento até o fim, porque a gente gosta mesmo é de cercar a vítima aos berros e improvisar um travesseirinho, e só.

Fico pensando se no Rio não tem serviço de Resgate ou de Samu, que certamente chegaria rápido e “estabilizaria” a vítima até a remoção. Fico pensando também sobre a salada geral, porque os fogos de artifício do governo federal jurava que as UPAs também teriam atendimento de pronto-socorro, então é uma piada de mau gosto precisar de atendimento de urgência no meio da noite e topar com apenas uma enfermeira lixando as unhas.

O rapaz morreu por falta de atendimento, e ponto.

Então é isso: se casar, faça-o em SP. Se acontecer alguma fatalidade como essa, pelo menos a imprensa ficará na litotripsia até o secretário de saúde cair.

Saúde sem intermediários

O que temos falado, e só se pode chegar à conclusão de que o sistema particular de atendimento e os pacientes fariam muito melhor se mandassem os planos de saúde para o espaço sideral. Na Folha:

Atendimento “express”, como no SUS

O crescimento da economia do país, nos últimos anos, sem dúvida melhorou a vida de muitos brasileiros, que passaram a consumir mais e ter acesso a serviços antes inatingíveis.

Entre as conquistas de milhões de pessoas está o tão sonhado plano de saúde, na tentativa de fugir de hospitais públicos lotados, com macas nos corredores, falta de médicos e outros funcionários e de atenção adequada ao ser humano.

Esses usuários, porém, só trocaram de drama. Os planos de saúde são gigantes que, entre uma fusão e outra, lucram sem parar, mas oferecem bem pouco a quem paga muito caro pelo serviço.

Tendências/Debates Eventuais insuficiências são localizadas

No momento da venda, os planos de saúde prometem renomados hospitais, exames sofisticados e uma considerável carteira de médicos. Mas a realidade é bem diferente. Os médicos sofrem com a baixa remuneração e acabam optando pelo atendimento, digamos, “express”.

Para se ter uma ideia, a maioria das consultas médicas é remunerada pelos planos com valores entre R$ 18 e R$ 50. Em casos extremamente raros, especialistas renomados recebem até R$ 200 somente de planos considerados top de linha pelo mercado. A situação piora, em se tratando de atendimento multidisciplinar. Paga-se de R$ 4 a R$ 7 pela sessão de fisioterapia, por exemplo.

Pressionados pela baixa remuneração, os médicos realizam de quatro a cinco consultas por hora.

São, em média, nem 10 minutos com o paciente. Esse tempo é obviamente insuficiente para a mínima investigação dos sintomas apresentados, podendo causar diagnósticos imprecisos. O bom exercício da medicina exige exame físico minucioso, atenção à história da doença, à descrição dos sintomas e uma análise, ainda que sumária, das condições de vida e da personalidade da pessoa a sua frente.

A fundamental relação entre médico e paciente simplesmente desaparece nos atendimentos remunerados pelos planos de saúde. São praticamente desconhecidos que entram e saem dos consultórios, sempre com guias de exames na mão e nenhuma certeza do mal que os aflige.

Em meio à falta de consenso entre operadoras e médicos, a população brasileira pena com problemas básicos de rotina como demora na marcação de consultas, na liberação de exames e até com o absurdo da negativa para realização de cirurgias.

As consultas se transformaram em verdadeiras linhas de produção, algo capaz de dar inveja à indústria automobilística. Já virou rotina clientes recorrerem à Justiça para conseguir ter acesso a procedimentos essenciais aos tratamentos.

O que os empresários parecem não enxergar é que, embora consigam mão de obra barata graças à proliferação de faculdades de medicina de baixíssima qualidade, acabam perdendo dinheiro ao pagar honorários irrisórios aos seus profissionais credenciados.

Isso porque, sem o exame físico adequado, os médicos solicitam procedimentos muitas vezes desnecessários, pagos pelos “empresários da saúde”. Dor de estômago? Endoscopia. Tosse? Raio-x do tórax. Os resultados estão normais? Então é hora de exames mais complexos… E é assim que funciona a relação entre médico e paciente nos dias de hoje.

A economia no preço das consultas resulta em contas elevadíssimas pagas aos hospitais, porque lá chegam os pacientes que não tiveram o diagnóstico precoce. Ao que me parece, os lucros dos planos de saúde são tão elevados que até estas perdas com pacientes que acabam nos centros cirúrgicos são consideradas parte do jogo.

Sinceramente, me incomoda a má formação e a desqualificação dos meus colegas de profissão. No entanto, me preocupo muito mais com os pacientes atendidos por médicos que recebem menos por consulta do que os guardadores de carro da cidade de São Paulo.

ALFREDO SALIM HELITO, 54, é médico de família, clínico-geral do Hospital Sírio-Libanês e coautor de “Análise Crítica da Prática Médica” (Campus)

O rancor antipaulista como método

Estou com um tempinho antes de sair e quero compartilhar texto de hoje de Reinado Azevedo sobre a imprensa paulistana e seu rancor com a própria cidade. Volta e meia há flagrantes, e volta e meia surgem paralelismos que ensejam a comparação por excelência: a cobertura do que acontece no RJ. Desta vez com um elemento novo: jornalistas e especialistas “cariocas” deram de pitaquear sobre SP, como se tudo por lá estivesse resolvido. Mesmo que estivesse (o que não é o caso meeeesmo), é bastante estupidez achar que tudo se resolve só com vontade política. Vamos lá:

Violência em SP: os tons de vermelho e o rancor antipaulista até da imprensa paulistana!

Se o Rio é poesia pura, com os bandidos soltos, São Paulo, com um número muitas vezes maior de bandidos presos, é objeto da pior prosa jornalística — da carioca, da paulistana, de todo lugar. Vamos ver, no fim do ano, qual é a taxa de homicídio dos dois estados. Vamos ver o que a má prosa e a má poesia conseguiram esconder dos leitores, dos telespectadores, dos internautas…

Há uma leitura verdadeiramente criminosa de certas áreas da imprensa sobre a violência em São Paulo. Setores engajados do jornalismo (ou petistas ou simplesmente antipaulistas) deram agora para, ATENÇÃO!, censurar tanto os bandidos como a polícia em razão de uma suposta guerra que teria sido deflagrada.

Ainda que ela fosse verdadeira — há muito de mistificação nessa história —, parece que o óbvio recomendaria que, nesse caso, o jornalismo tivesse lado, não é? Se bem que tem: contra a polícia. Logo, objetivamente, há gente escolhendo o lado dos bandidos sem medo de ser feliz.

São Paulo hospeda 40% dos presos do país, embora tenha apenas 22% da população. Não é que concentre mais bandidos, não. É que a Polícia daqui prende muito mais, o que deixa nervosos alguns teóricos do bom-banditismo, que enxergam nos meliantes uma espécie de revolta primitiva contra o… capital, entendem?

Policiais de folga têm sido assassinados em maior número. Ninguém ignora que existe no Estado — como existe no Brasil — o crime organizado. Mas a polícia o enfrenta, o que não se faz, obviamente, sem sofrimento também. Sim, prender bandidos é mais caro e mais difícil do que espantá-los. E rende má prosa contrária, em vez de má poesia favorável. As vidas que a polícia paulista salva — o Estado está em penúltimo no ranking de homicídios, e sua capital, em último — não geram notícia. É evidente que o recrudescimento no combate ao crime gera a reação de criminosos. Há, sim, um outro caminho: não prender. Mas isso São Paulo não fará nem em troca da… má poesia.

Delinquências opostas e combinadas
Até outro dia, vigaristas dos cinquenta tons de vermelho, associados à imprensa antipaulista, sustentavam que os baixos índices de homicídio em São Paulo (na comparação com outros estados) decorria de um suposto acordo da polícia com o PCC. Ou, então, afirmava-se, era a bandidagem que impunha a ordem.

Agora, a acusação mudou: estaria em curso uma guerra — em que “todos perdem”, como afirmou um meliante intelectual e moral — entre policiais e bandidos. Ainda que ela existisse, só uma escolha seria decente, não é? Leiam, no entanto, o que se tem produzido por aí. Muita gente escolheu o lado dos bandidos.

São Paulo não tem áreas a serem ocupadas com tanques para esparramar bandidos. Não pode oferecer esse mote para estimular a imaginação poética.  Quando um moleque empina pipa na periferia de São Paulo, só se vê o casario ao fundo, de tijolos vermelhos e cinza, sem o mar por testemunha, sem o barquinho que vai e a tardinha que cai…

Não tendo o que aprender com Sérgio Cabral em matéria de segurança pública, restaria a Geraldo Alckmin receber algumas dicas de marketing (mas sem a Dança dos Sete Lenços). Afinal, a gente está vendo que, em matéria de segurança pública, o matar muito faz os gênios, e o matar pouco, as Genis…

Polícia truculenta – onde mesmo?

Semana passada a psicanalista e torturadora de general Maria Rita Khel cometeu uma excrescência em coluna na Folha de S.Paulo (link na citação abaixo). Comparou o governador Alckmin a um ditador e a polícia paulista a uma força de exceção, aproveitando-se do “alto” saldo de mortos no confronto da Rota com traficantes em Várzea Paulista.

Hoje o jornalista Marcio Aith deu-lhe uma descascada, com a resposta que merecia a cabecinha louca da mulher. Reproduzo na íntegra:

Quem não consegue distinguir a democracia da ditadura acaba escolhendo a ditadura como se fosse democracia e a democracia como se fosse ditadura.

Só assim se entende que a psicanalista Maria Rita Kehl associe o democrata Geraldo Alckmin, eleito com 11,5 milhões de votos, a um regime de força, como o fez em seu artigo publicado na última “Ilustríssima” (“O veredicto de Geraldo Alckmin”), com chamada de capa neste jornal.

Kehl comparou a ação da Polícia Militar de São Paulo contra um grupo de bandidos fortemente armados, em uma chácara do município de Várzea Paulista, ao massacre de prisioneiros políticos indefesos da ditadura militar.

Decretou que o senso de justiça da bandidagem, no caso de Várzea Paulista, estaria acima daqueles da PM e do próprio governo do Estado. Isto porque um tribunal do crime, que na chácara se instalara, “absolvera” de forma generosa um dos presentes –acusado de estupro, depois morto na operação policial.

Por fim, Maria Rita classificou como sendo retórica ditatorial uma declaração do governador Geraldo Alckmin (“Quem não reagiu está vivo”) e despejou sobre os leitores números que pudessem dar verossimilhança a seu diagnóstico.

O texto é delirante, perverso e desequilibrado. A psicanalista demonstrou desconhecer segurança pública; desprezar fatos e estatísticas; e menosprezar a memória e o trabalho de várias pessoas que, embora não partilhem de sua cartilha, contribuíram para a redemocratização no país.

O Governo do Estado de São Paulo não tolera abuso oficial.

Desde 2000, 3.999 policiais militares e 1.795 policiais civis foram demitidos por má conduta no Estado (dados até 18 setembro deste ano). Só na atual gestão, foram 392 policiais militares e 252 policiais civis.

Ao mesmo tempo, e sem qualquer contradição entre os dois esforços, a Polícia Militar impediu, e vai continuar a fazê-lo, que o crime se organize e realize julgamentos ao arrepio do Estado democrático de Direito.

Aqui, o crime não instala tribunal; aqui, o crime não ocupará funções privativas do Estado; aqui, o crime não vai dialogar com os Poderes constituídos.

A declaração do governador que tanto ouriçou a psicanalista Maria Rita foi feita dentro de um contexto de apuração e controle. Ele não se omitiu em relação à necessidade de investigar o que ocorreu.

Ao contrário. Disse ele, na mesma ocasião: “Olha, quando há resistência seguida de morte: investigação. A própria Polícia Militar investiga e o DHPP, que é o Departamento de Homicídios, também investiga”¦ A investigação pela Corregedoria já era de praxe. O que é que nós colocamos a mais? O DHPP. Ele faz a investigação em todos esses casos, ele conduz a investigação.”

E o que isto significa? Que o Estado de São Paulo foi o primeiro a colocar um corpo de elite da Polícia Civil –no caso, o DHPP– para apurar resistências seguidas de morte. Nas demais unidades da Federação (algumas das quais querem adotar o modelo paulista), as resistências não são apuradas, muito menos comandadas, por departamentos qualificados.

MENTE FANTASIOSA

A medida fortaleceu o eficaz sistema de freios e contrapesos, típico dos regimes democráticos. Apenas na mente fantasiosa de Maria Rita Kehl os experientes delegados do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, da Polícia Civil, deixarão de cumprir sua obrigação para encobrir eventuais desvios de conduta de policiais militares.

A retórica inflamada e irresponsável desta senhora não fará o governo mudar o rumo na segurança pública. Rumo este, aliás, iniciado na década de 90, com a criação da Ouvidoria da Polícia, com a instituição da disciplina de direitos humanos no curso das polícias e com o combate à letalidade. E que vem sendo seguido pelo atual secretário, Antonio Ferreira Pinto, notoriamente comprometido com o rigor e com a legalidade.

Segundo os dados do último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública do Ministério da Justiça (2011), a letalidade da polícia paulista é menor do que a de outros Estados do Brasil, tanto em números absolutos como nas taxas por 100 mil habitantes.

Em 2010, morreram 510 pessoas em confronto com a polícia paulista, uma taxa de 1,2 mortos por 100 mil habitantes. No Rio de Janeiro, que tem pouco mais de um terço da população de São Paulo, foram mortas 855 pessoas em confronto policial (taxa de 5,3 por 100 mil habitantes). Na Bahia, a taxa é de 2,2 por 100 mil. Como se vê, a fantasia baseada em distorções ideológicas não se sustenta quando confrontada com dados.

Maria Rita Kehl retrata a Polícia Militar de São Paulo como assassina contumaz de jovens. Pois São Paulo foi o Estado brasileiro que mais reduziu a taxa de homicídio de crianças e adolescentes (até 19 anos) por 100 mil habitantes entre 2000 e 2010, segundo o Mapa da Violência do Instituto Sangari: queda de 76,1%, de 22,3 para 5,4.

Também em números absolutos, o Estado de São Paulo teve a maior queda nesse índice entre 2000 e 2010. A redução foi de 2.991 homicídios de jovens e adolescentes, registrados em 2000, para 651 em 2010.

E o que aconteceu no Brasil no período? O número absoluto de homicídios de crianças e adolescentes cresceu 6,8%, entre 2000 e 2010 (de 8.132 para 8.686 casos) e a taxa por 100 mil habitantes subiu de 11,9, em 2000, para 13,8 em 2010.

DISTORÇÕES

Mas números não bastam para esta senhora. A distorção moral e ética de seu pensamento é insanável. Para Maria Rita, uma luta justa deveria contar sempre com mortos também entre policiais militares. Para ela, a profissionalização da Polícia Militar, treinada também para evitar baixas, é uma disfunção, um defeito, uma evidência de covardia.

Entende-se: entre a polícia e os bandidos, parece que ela já fez a sua escolha. Maria Rita acha que uma luta justa entre Polícia e bandido tem de terminar em empate –quiçá com a vitória da bandidagem, que ela deve confundir, em sua leitura perturbada da realidade, com uma variante da luta por justiça.

A Polícia Militar salva vidas, Maria Rita. É treinada para proteger a população do Estado. Atendeu a mais de 43 milhões de chamados em 2011. Realizou 310 mil resgates e remoções de feridos. Efetuou 128 mil prisões. A PM de São Paulo está entre as melhores do país.

Por isso, o Estado de São Paulo, segundo o Mapa da Violência, está em penúltimo lugar no ranking dos homicídios por 100 mil habitantes. A capital paulista é aquela em que, hoje, menos se mata no país, segundo o mesmo estudo.

Estivesse ela interessada em debater de fato o problema da Segurança Pública, Maria Rita tentaria entender a relação entre drogas e o crime organizado, como aquele instalado na chácara de Várzea Paulista. E por que o Brasil é o primeiro mercado consumidor mundial de crack e o segundo de cocaína? Nunca é suficiente repetir que o Estado de São Paulo produz laranja, cana, soja. Mas não produz folha de coca. Como ela entra no país? E as armas?

Mas estas não são as preocupações de Maria Rita. Ela quer confundir. Por isso até misturou o caso de Várzea Paulista à desocupação judicial da área conhecida como Pinheirinho, onde não houve vítima fatal e criou-se, bem ao seu estilo, um episódio mentiroso para fazer luta partidária.

A obrigação da autoridade pública é enfrentar o problema, seja ele a bandidagem comum ou a bandidagem da polícia. Se houve abusos, eles serão punidos após a investigação, como sempre o foram, e não antes.

Maria Rita Kehl, aliás, tornou-se partidária do julgamento extrajudicial. Ela não conhece detalhes da ação da polícia, mas já expediu a sua sentença condenatória, mimetizando, ela sim, os métodos das tiranias. Com uma diferença. As ditaduras criavam simulacros de julgamento. Precisavam convencer a si mesmas de sua farsa. Maria Rita não precisa ser nem parecer justa.

Ela deveria se envergonhar –mas não se conte com isso, pois está cumprindo uma agenda partidária –como, aliás, já havia feito nas eleições de 2010. Desmoralizar a polícia de São Paulo é parte de um projeto de poder.

O Governo do Estado de São Paulo não tem compromisso com o crime.

Reitero aqui: qualquer cidadão comum, paulistano ou não, sabe interpretar essas estatísticas. A ideia de que “a polícia paulista é assassina” não resiste a obviedades, nem de cunho numérico, nem àquelas que dizem respeito ao senso geral da população, que costuma ser o mais equilibrado num regime democrático.

A força-tarefa que as esquerdas vêm tentando pregar há décadas contra a polícia paulista está no estado em que se encontram seus idealizadores: agonizando em praça pública, sob os aplausos do cidadão comum.

2 + 2 nem sempre é igual a 4

Sobre o casal que achou 20 paus em dinheiro e moedas, e que devolveu a quantia aos donos, no Tatuapé.

Quer dizer, chamou a polícia e a polícia rastreou e devolveu. O dono do restaurante ficou grato e ofereceu viagem de volta ou ao Paraná (de onde é a moça) ou ao Maranhão (de onde é o rapaz); ou então um emprego no restaurante, com curso de capacitação para os dois. Optaram pela segunda alternativa.

Não, não vou falar sobre honestidade de policiais nem de mendigos. Nem de quanto fico satisfeita quando alguém resolve ficar e batalhar em São Paulo.

Mas acontece que sou cética. Claro que estou supertorcendo para que tudo dê certo para o casal, mas acontece que notícia de jornal não é o mehor meio pra mudar de vida. A Prefeitura e Estado têm todo um sistema pra encaminhar pessoas nessas condições. Começa que você pode contar diariamente com  albergue, comida, encaminhamento para emprego.

Quando da história “da sopa”, ficamos sabendo que os albergues da capital estão ociosos. Então, reitero para esse novo fato as palavras do título do referido post da sopa, do Flávio Morgenstern: Cuidado com as manchetes.

Se Rejaniel Jesus dos Santos é mesmo um cara cheio de virtudes (e acredito nisso), por que não tentou antes se firmar na vida via Estado? Por que optou por morar debaixo do viaduto e trabalhar com reciclado?

Bem, em entrevistas por aí ele disse que antes tinha um emprego e família, perdeu o emprego, começou a beber e perdeu a família. Então, está aparentemente explicado: não queria albergue porque o albergue tem uma série de exigências, inclusive a proibição da manguaça.

Isso é o que está evidente. Sobre o que não está, não podemos saber. Todo ser humano tem idiossincrasias, e fazemos coisas nem sempre lógicas para nos adaptarmos a nosso jeito de ser. Pois eu não larguei emprego confortável pra trabalhar em casa, com tudo de desvantajoso que isso tem? Cada um é cada um.

Então, eu lá vou saber das profundezas de Rejaniel? Pode ser mesmo que tudo o que foi divulgado seja a verdade: o cara teve uma infelicidade, perdeu tudo e vive nas ruas. Também tem a coisa de você ter uma vida certinha e, por detalhe infeliz ou outro, você mesmo ir degenerando. Mas e Rejaniel? Será que vai se adaptar à nova vida? Onde vai morar? Com a mulher acontecerá o mesmo?

Nem tudo acontece matematicamente: o cara é rico, está bem. O cara é pobre, está mal, só precisaria de uma chance. Esse tipo de raciocínio acontece bastante em jornais, porque jornalistas são o senso geral, e senso geral não é treinado em muita coisa trash que lhe possa dar mais experiência além do fófis.

Pro senso comum, pobre não teve vez, rico desperdiça e lugar de criança é com a mãe. Mesmo que haja pobres preguiçosos, ricos trabalhadores e mães desnaturadas, entende? Não há lugar para exceções, zonas cinza e características individuais.

Mesmo assim, espero que o caso desse casal seja bem, mas bem padrão, bem ao gosto do que gostamos de ler por aí.

Repito, ele poderia ter tentado arrumar a vida antes. Condições há. O que não havia era holofotes a lhe impulsionar. Como também não havia holofotes sobre a cadela Menina, que teve a boca estourada por uma “brincadeira” de pagodeiro idiota.  Agora há fila para adoção, porque lhe aconteceu essa desgraça.

Rejaniel vivia nas ruas. Menina vivia nas ruas. Ninguém lhes queria. Só o Estado ofereceu atenção, no caso de Rejaniel, e ele não quis.

De qualquer modo, é preocupante que os vulneráveis deste país imaginem que só possam mudar de vida mediante a sorte grande atual: aparecer na TV.

Quer moleza?

Senta no pudim, né, benhê?

Do JB:

A partir da próxima terça-feira, os beneficiários do seguro-desemprego terão de realizar um curso profissionalizante gratuito em sua área de atuação para continuar a receber o benefício, informou a prefeitura de São Paulo nesta quinta-feira. A medida é válida para quem já solicitou o seguro em mais de duas ocasiões nos últimos dez anos. A pessoa que não se matricular ou desistir das aulas irá perder o benefício.

Para a realização dos cursos – que terão carga horária de 160 h -, os participantes irão receber auxílio-alimentação, transporte e material didático. A nova regra faz parte do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, do Ministério do Trabalho e Emprego (Pronatec) e valerá para os casos em que não houver oportunidade de trabalho compatível com o perfil do desempregado. Os cursos serão disponibilizados no ato de requerimento do seguro, diz a prefeitura, e a pré-matrícula deverá ser feita em uma das unidades do Centro de Apoio ao Trabalho (CAT).

De acordo com a prefeitura de São Paulo, os cursos só poderão ser recusados caso não haja capacitação para a função do beneficiário; se for a primeira vez do pedido; se o beneficiário estiver recebendo a última parcela do seguro ou se estiver cursando outro curso reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) com a mesma carga horária ou superior à oferecida; ou ainda se o candidato estiver participando de processo seletivo de emprego. (continua)

Bem, há cursos pra um monte de atividades, de cuidador de idoso a vitrinista, de jardineiro a manicure, de programador web a zelador.

Bem, na minha cabeça não entra essa coisa de uma alma se enfiar numa profissão e sair desempregado sem atualização, isto é, sem saber das últimas na sua área. Quando não por se interessar por um cursinho de atualização (que geralmente a empresa paga de bom grado), pelo menos por fazer uma coisa fácil: se enfiar na internet à cata de novidades.

É claro que em muitos casos não é essa facilidade toda, mas também é fato que em nossa cultura a criatura não costuma se mexer pra nada se não tiver um oá$i$ a lhe puxar a preguiça e a falta de interesse – a não ser, é claro, quando o assunto é TV.