Estou aqui a fazer algo que nunca faço: ler o Guia da Vila, revistinha coloridinha, muito benfeita, mas que no fundo é aquele lance: as matérias justificam os anúncios, e não o contrário. É que faltou luz aqui em casa, encontrei um toco de vela – lembrei que preciso comprar um pacote e colocar bateria na luzinha portátil -, ia prosseguir no meu Lotte & Zweig, mas topei com a tal publicação do José Luiz Penna e retomei uma entrevista com Otávio Zarvos, dono da incorporadora Idea!Zarvos, sobre os seus planos pra Vila.
“Seus planos??” Sim, seus planos. Se todo mundo se arvora a ter planos pra isso e praquilo, por que não o rapaz? Ele diz certas coisas com as quais concordo, sim. Trechos da entrevista e comentários meus:
Em São Paulo, as pessoas têm um pensamento que é nocivo para elas mesmas. São contra os prédios e não querem que a cidade tenha mais pessoas, mas ao mesmo tempo querem estrutura boa. São duas coisas que não combinam. Com maior adensamento teremos mais serviço, padaria, hospitais, praça de esporte, escolas etc.
Não me lembro de ter mencionado aqui, mas ficou épico um texto de Raul Juste Lores em seu blog na Folha, em que ele defende certa verticalização, mencionando tb. Vila Madalena, e foi praticamente condenado à fogueira pelos comentadores.
É claro que eu gostaria que São Paulo se assemelhasse a alguma cidadezinha do sul da França, mas não é assim. NÃO É ASSIM! Então, vamos ver o que dá pra melhorar com o que temos.
O povaréu pega uma ideia que parece fofa, encasqueta na cabeça e é fantástico que não haja argumento que o demova daquilo. O exemplo aqui é a avença contra empreendimentos imobiliários – os novos, é claro, porque os antigos são de propriedade dos detratores, eles não largam seu chão de cimento de jeito nenhum e nem seriam loucos de fazê-lo, a não ser em troca de um bom, polpudo e supervalorizado metro quadrado na faixa, determinada justamente por quem? Pela especulação imobiliária.
Frequentemente ando a pé pela Vila. Geralmente aproveito que tenho uma editora lá embaixo, dispenso a gentileza do boy e pego e entrego os trabalhos eu mesma, caminhando para além do Galinheiro, birosca que virou um restaurante de proporções épicas lá na Inácio Pereira da Rocha. E dá pra observar, notar mudanças. Conheço a Vila há pelo menos vinte anos, e muita coisa mudou por lá. Não é um bairro tão especial, não. No início eram casinhas bem simples, que passaram pelo udigrúdi dos alunos da USP, a boemia estudantil, a criatividade, e isso tudo foi devidamente engolido pela contracultura de sempre. Hoje são ateliês muito profissionais, padarias chiques, lojas de móveis arrojados, butiques fofinho-modernas, birôs gráficos, restaurantes e bares que mudam de nome conforme a moda e inúmeros escritórios – todos ligados a criatividade, todos com seus SUVs e senhoras loirudas que não passam sem cabelo e unha em salões bem alentados. Resta alguma coisa da antiga Vila Madalena – um botequim aqui, uma lojinha legal ali e a terrível mão-dupla em suas ruas estreitas – coisa de fazer o pedestre, diante do aumento horrível do trânsito, a querer tudo, menos atravessar nas faixas, porque nunca se sabe o louco que vai converter sem olhar.
Voltemos à entrevista do Zarvos:
Sou contra [tombamentos]. É um discurso fácil de vender, mas muito nocivo para o bairro. Os novos comércios que surgiram por aqui é por causa dos novos prédios comerciais que surgiram por aqui. São pessoas que trabalham aqui durante o dia. Antes, as pessoas só moravam por aqui e as pessoas vinham para o bairro à noite para as baladas e pelos bares. Durante o dia o bairro era morto.
[…] Ele é inviável juridicamente. Os órgãos que fizeram tombamentos anos atrás, sabem dos danos que eles causaram e não fazem mais isso. Os locais tombados em São Paulo se degradaram. Na Vila seria um quarteirão. O tombamento prejudica quem mora aqui. Nas reuniões que tive com moradores mais antigos aqui da Vila, eles não sabiam o que é o tombamento e quando entenderam que os imóveis deles teriam 70% de desvalorização, ficaram revoltados.
Pousé. Tombamento é bacaninha quando não é comigo. Os danos a que se refere Zarvos são, por exemplo, a City Lapa e o Pacaembu, que estão praticamente abandonados. As coisas mudam, as necessidades mudam, e nenhum casal classe média alta é tão estoico assim pra escolher morar num local com infraestrutura antiga, que não atende a suas necessidades. Você acha 5 carros na garagem e shopping/serviços perto necessidades ridículas? Eu também. Não inventamos nem precisamos de nada disso, mas é o que temos como realidade para os moradores comuns. Ponto.
Outra coisa: quando ouvimos “especulação imobiliária” imaginamos logo que os prédios novos acabarão com as casinhas com mangueiras no quintal, aquela vidinha calma, simples e antiguinha. Não. Um prédio novo que arrase um quarteirão dará lugar a, pelo menos, uma área provavelmente mais arborizada e com estacionamento e ordem, e eliminará de vez pelo menos um correr de casas horrendo, improvisado, todo cimentado, sem lugar pra carro e sem uma – uma – árvore sequer no jardim ou no quintal. Vila Madalena, em muitos trechos, não escapa a esse padrão.
Elaboramos um plano de bairro com diversas propostas de urbanistas, arquitetos. Ele ainda não foi entregue à Subprefeitura, mas está pronto. Ficamos vários meses, por iniciativa de nossa empresa fazendo isso. Buscamos em Nova York um arquiteto, Davis Brody Bond, que tem experiência neste tipo de projeto e que ainda não foi feito aqui no Brasil. O plano envolve também a parte econômica. São várias propostas e já debatemos com vários grupos daqui do bairro, com moradores novos e antigos, lojistas, donos de restaurantes e bares, com órgãos da prefeitura, CET, vereadores… […] Inclui mudança de zoneamento do bairro. Não queremos levantar prédios mais altos ou coisa assim. Precisamos fazer adequações. Temos locais aqui muito degradados. Reformas das calçadas, ruas com sentido único e com redutores de velocidade, trocar os ônibus maiores por menores para servir melhor aos moradores. […] Criar passagens para pedestres em alguns quarteirões que são muito grandes por aqui.
Quem pagou por este estudo? Nosso escritório. Estamos dando esse plano para o bairro. Para nós é uma questão ética. Primeiro, é uma forma de retribuir. Segundo, se a gente conseguir implantar metade do que está no plano, ele que é o bairro mais bacana da cidade, vai ficar mais legal ainda. E isso vai refletir para todo mundo, morador, empresário…
O que o plano prevê contra enchentes? A proposta é implantar o Parque Linear. O Rio Verde está canalizado, desde o metrô Vila Madalena. E a Vila está impermeabilizada. Com o parque e calçadas drenantes a água segue para uma grande adutora que joga a água da chuva para o sistema pluvial da região. E sem necessidade de desapropriar nenhum imóvel. (segue)
Well, o Parque Linear a Prefeitura acaba de anunciar que vai sair. Isso se sair, porque poder público – não o prefeito; a máquina em si – é um monstrengo que não funciona a contento em Brazziland, é uma vergonha. Pra ser ter uma ideia, um vereador prometeu a travessa Tim Maia desse jeito, mas ficou assim. Nem um nem outro previram a existência de cadeirantes, muito menos ciclistas, que tem de monte aqui. O poder público miudinho, a vereança, mesmo em São Paulo, é velho, é caipira, tem raciocínio lento e retardo mental.
Eu preferiria que esse parque linear fosse feito pela incorporadora do rapaz, junto com seu planão. O cara pagou pelo estudo, não está aí pra brincadeira e desse tipo de coisa depende o nome de sua portinha. Confio mais em sua capacidade de planejamento e execução do que em qualquer vereador que emporcalha de cavaletes a Heitor Penteado em época de eleição.