Episódios como o de ontem (o texto de Cesar Benjamin descrevendo o relato de Lula de tentar currar alguém na cadeia), saído na Folha e que rendeu bons posts e piadas hilárias no Twitter e alhures (e cujo desenrolar hoje prossegue, pelo pouco que li aqui e aqui), dão margem a algumas reflequissões domésticas.
Nossa primeira reação é achar isso um nojo. Claro, eu também fiquei assim. Mas nada como um day after nubladinho, chuvoso e fresquinho.
Não duvido da honestidade de Cesar Benjamin. Nãnão! Ainda mais conhecendo o tipo social do nosso Prezimente e suas proezas de botequim. Mas o fato de alguém ser honesto não significa que seja lógico ou lúcido o suficiente para receber um certificado de qualidade. (Uma velhinha aqui do prédio insiste em jogar miolo de pão pela janela, na nobre tarefa de dar de comer aos pombos. Safada? De jeito nenhum! Boazinha e íntegra em suas convicções franciscanas. Ela acredita na causa.)
Cesar Benjamin, assim como outros dissidentes do petismo de resultados, me soa como aquela figura que acaba amealhando pra si uma espécie de patrimônio curricular que – sinceramente – acaba se tornando poupança para alguma coisa, nem que seja sua própria vaidade.
Benjamin não faz o tipo de cara que saia de uma causa e logo vá contando tudo, por vingança. Ou que espere o momento pra lançar um livro ou amealhar ou tirar votos.
É pior: vai formando para si uma imagem de reserva moral low-profile, até com certo ar de coitadinho, mas um sofredor silencioso, empedernido em suas convicções universais. Seu currículo no final do texto na Folha diz:
CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.
Daí se depreende que Benjamin abraçou um ideal de vida (seja lá qual for) pelo menos aos 14 anos de idade, a ponto de pegar em armas aos 17.
E, posteriormente, o caráter de suas várias entradas e saídas de partidos só atesta que nada mudou na sua cabeça desde quando não tinha barba.
Tenho certa cisma com esse enaltecimento intrínseco de ex-guerrilheiro. Se militou na ditadura, já é uma pessoa digna de plateia. Se foi preso, já tem uma espécie de salvo-conduto. Se preso e torturado, opa!, melhor ainda. Se ficou exilado, ah, a glória!
Digo isso porque fui fã da bagaça. Mas aos 14 anos! Tinha, sim, um pôster do Che no meu quarto. A pereba durou até os 22 anos, mais ou menos. Depois fui cuidar da vida.
Hoje olho para um ex-guerrilheiro com o mesmo entusiamo de quem aprecia um despachante do Detran. Não acho nada de quem se enfiou em luta armada comunismo X ditadura, num tempo em que nem se falava em volta à democracia.
Cruel? Eu também acho, um pouco. Seria muito engraçadinho a gente ter, naquele tempo, a visão que tem hoje, depois de décadas no lombo. Mas a vida passa, as coisas mudam, você vai sedimentando, descartando motivações juvenis e vendo as coisas de outra forma. Qualquer processo diferente disso é estranho a qualquer evolução natural.
O que depreendi de chato, chato mesmo, é que o texto de Benjamin saiu em meio a um verdadeir fuá que a Folha fez ontem em torno do filme de Lula. Foram umas três páginas falando – bem ou mal, mas falando – do lançamento de um filme meramente instrumental, e pior, que já se sabe muito ruim.
Quanto à possibilidade de o caso ter prosseguimento ou não, isso não muda uma vírgula na vida de ninguém, nem em eleição, nem nada.
O que seria bom notar aqui são os processos lentos, subliminares, aqueles que ninguém nota e que vão encrustando nas mentes das pessoas como uma craca marinha. Bastiões morais cuja imagem não se dissocia do que rejeitam, por exemplo.
Até o fato de Benjamin poder ter dito isso sem provas, e que o torna um lunático boa gente que agora vai se lascar sob os rigores da lei, me enche, se quer saber.
Pronto, falei!