Esperei mais um pouquinho pra me inteirar dos sub-subs do caso exemplar da Uniban e tagarelar um pouquinho.
Daí lembrei de uns duzentos anos atrás, nos anos 80-90, quando tinha duas estagiárias sob minha varinha calvinista. Uma delas vinha com umas minissaias de verdade, o que faria a menina (Geisa o nome dela, não?) se sentir uma assembléia de deus da perna peluda. E os pupilos do Bispo Maiscedo vieram falar comigo about.
No geral é um perrengue você coordenar gente, mas não me lembro de dilema pior. A garota não era uma merds, pra quem você dá o recado de cara amarrada e pronto, tendeu? Era estudante aplicada, redigia muito bem, excelente (semi)profissional e tratada na vida.
A única convicção que me ocorreu foi deixar pra falar no final do turno. Era o mínimo que dava pra fazer, porque se não o dia da menina seria de um constrangimento só. E o fiz, deixando claro que não era eu a ultrajada com aquilo.
Detail: o restante da equipe era de marmanjos. Uns casados-certinhos, outros nem tanto, alguns maconheiros sociais, mas todos bonitos, saudáveis e bronzeados. Enfim, naquela idade boa do bundalelê. Mas, oh, passado!, não eram machistas, não se referiam com desdém a mulheres, eram gentis (aliás, são gentis até hoje). Enfim, todos normais.
Ou, pelo menos, o que eu tenho como gente normal.
O que aconteceu de lá pra cá? Embotocamos todos porque o ensino é uma merda? Ou será que somos uns distraídos que não entendemos direito os ditames do Brasil profundo que emergiu pós-Collor?
Sabe aqueles filmes de buana? Só porque é loura, ou veste vermelho, ou traz uma mochila, a criatura é condenada a ser fervida no caldeirão porque algum avatar assim determinou? E eis que de repente se vê cercada por um monte de Homens Esqueletos prontos pra te empalar? Pois é.
Coincidência: acaba de sair uma matéria na Veja, “Pequeno Manual da Civilidade”, em que alguns especialistas analisam situações flagrantes de barbarismo explícito. Me chamou atenção este parágrafo do professor Roberto Romano sobre xingamentos:
A agressão verbal penetra no fundo da alma de quem é atingido por ela. É tão, mas tão grave que tem até punição prevista em lei. Um dos exercícios que proponho para identificarmos se tal ato é uma incivilidade é ver se é possível todo mundo praticá-lo ao mesmo tempo sem que o mundo vire uma barbárie, com todos matando a todos.
O professor Romano me permitirá uma pequena discordância:
A agressão verbal é uma estaca que tenta sair do fundo da alma de quem a pratica. Se um cerumano chega ao ponto de achar adequado berrar pra todo mundo ouvir (ou ler) que seu desafeto é isso ou aquilo (sempre considerações sexuais, de idade, de condição econômica, de aspectos físicos – o primitivo não muda nunca!), é porque de alguma forma se sente inferior ao objeto de suas xingações e precisa “resolver” isso urgentemente, no grito.
A “virtude” do xingamento é esta: quem o acha legítimo e o pratica amiúde tem a profunda e tosca certeza de que aquilo o elevará de alguma forma diante do objeto de sua raiva e, muitas vezes, perante a sociedade.
Certamente o professor já foi muito xingado, como eu e um monte de gente. E não creio que dê muita bola pra isso. Eu também não dou. Porque ele sabe que o xingamento é quase um atestado de (in)capacidade: “eu te xingo porque sei que você é melhor que eu. Como eu não consigo reverter isso por meios tradicionais, parto para a única coisa que sei fazer com facilidade”.
Assim é muito prático, embora não se tenha notícias de que algum dia isso tenha dado certo.
A menina, dona desses olhos perturbadores, cometeu o pecado de aparecer, não importa por que meios. E isso avilta uma sociedade – como é mesmo que Hobbes foi mencionado na matéria? – “solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta”.