Pois bem, eis.
Coincidência: outro dia comprei (porque nunca li inteiramente) o livro A revolta da vacina, do historiador Nicolau Sevcenko. Ainda não li, mas dei um rolê pelo posfácio à edição de 2010. Um trechinho:
[…] um modo de administração no qual o objetivo não é a superação, mas a gestão burocrática da pobreza como o pilar básico da política social. Trata-se de uma prática de gestão que pode ser definida como política social remediadora (PSR). Seu objetivo é tornar a existência crônica da pobreza um elemento estrutural e imprescindível (atualmente de par com o voto obrigatório), para a manutenção do sistema político como sistema de negociação e amparo e da assistência, lado a lado com a ampliação e consolidação da burocracia assistencial. O título de política social remediadora lhe cai como uma luva porque evoca a máxima lapidar do conservadorismo obscurantista brasileiro: “o que não tem remédio, remediado está”.
Em suma, nos termos da PSR, pobreza não se evita, não se resolve nem se combate: pobreza se negocia, se administra, se patrocina. Até o crime organizado aprendeu a lição e se esmera na sua aplicação. Atua na senda do proverbial “rouba mas faz”. Na equação da PSR, tal como é atualmente exercida, todos ganham. A classe política obtém simpatias de teor devocional, apoio entusiástico e votos por compulsão. A burocracia, agentes e entidades assistenciais têm seus orçamentos, postos e funções multiplicados. Já seus beneficiários oficialmente declarados têm pelo menos sua penúria aliviada, já que não convém suprimi-la nem nesta nem em suas futuras gerações. […]
O que em particular instigou minha revolta foi o choque de ver gente da minha geração, ou pessoas em que minha geração acreditou e confiou, se acomodar sem maiores relutâncias à treva ética da PSR.
Achei a aposição desse texto muito chique, e tal, mas, como vocês sabem, sou mais pragmática e bem mais popular: A periferia que se funheque.
Nós aqui seguiremos discutindo jardinagem e permeabilização. A fome, o saneamento básico, a miséria total e jornalista se estapeando por carguinhos públicos e a verbas oficiais, a gente deixa para os dilmistas.
Do próximo governo, só espero que se abra uma ampla discussão sobre encadeamento sintático.
Sim, senhoras e senhores, temos quatro anos brabos pela frente…
-
Foto: “Fila da coxinha” pra comício de Dilma, em algum lugar perto de BH (jan. 2010). Valeu o pão com requeijão, né, gente?