Sugestões, por favor

Seguinte: desde que iniciei as reformas aqui em casa, fui fazendo tudo dimóds a poder utilizar aquecimento a gás. Ano passado, finalmente, cheguei à cozinha, como os mais chegados estão carecas de saber. E foi na área de silviço que finalmente coloquei o aquecedor, um trambolho bem muderno que em nada lembra o aquecedor de acender piloto com que convivi durante quinze anos na Cidade Maravilhosa. E olha que tive o cuidado de pedir pro pedreiro: “Olha, seu Francisco, por favor mantenha a saída de energia acima do chuveiro que depois eu ponho um espelho cego”, ao que ele me respondeu: “Tá certo, Leticia, nunca se sabe do que o governo é capaz, é bom se prevenir”.

 

Agora, com a crise energética, me digam o que devo fazer pra não torrar meus rendimentos mensais em banho:

 

a) Descolar um ofurô com lenha embaixo?

b) Contratar uns brucutus pra lutar capoeira 24 horas na caixa d’água do meu prédio?

c) Me alistar em algum movimento de libertação socialista e tomar banho frio pra me engajar com mais vigor à luta armada?

d) Esquentar uma panelinha de água com isqueiro duas a três vezes ao dia?

e) Olhar diferente praquele réchaud com buchinha?

f) NDA (nesse caso, por favor deixe registrada sua sugestão)

O que fazer durante uma final de Copa do Mundo

Bem, como se esperava, o Brasil vai sediar a Copa de 2014. Na entrevista coletiva concedida logo após a cerimônia de nomeação ainda há pouco, em Zurique, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, desceu do tamanco logo na primeira pergunta, quando uma jornalista canadense, da Associated Press, questionou o que o país pretendia fazer para conter o elevado número de homicídios no país.

 

Como um dos pilares da malandragem é se mostrar profundamente ofendido com qualquer coisa que lhe ponha saia justa, baixou o caboclo corticeiro em Ricardo Teixeira, e ele retrucou dizendo que nós brasileiros não temos alunos que metralham colegas em escolas, e que o Pan foi ótimo, e isso e aquilo. Josef Blatter, presidente da Fifa, saiu em defesa do pobre Teixeira, dizendo que o que a jornalista fez foi uma grosseria, e bla-bla-blá, pereré pão-duro.

 

Quem não é chegado no babado inicia agora uma longa e penosa penitência. Só para simbolizar, todos os jornais da Globo dedicarão pelo menos metade de seu tempo ao assunto, com aqueles chistes irritantes de sempre. Até 2014!!!!!

 

E adivinha o que vai acontecer? Bem, até a metade de 2013, nada. Ficaremos falando, falando, falando, mas as obras se iniciarão tarde, serão mal-feitas, incompletas e superfaturadas.

 

Me refiro às obras de reforma e construção dos estádios. Porque infra-estrutura, ó, necas! Ou alguém está achando que o Engenho de Dentro (quem não saltar agora, só em Realengo) melhorou um tico depois do Pan? Pois é.

 

E aqui em São Paulo não prevejo grandes canteiros de obras, não. A não ser que resolvam construir um Santanão com capacidade para 500 mil torcedores, para desespero de dona Raquel.

 

Enquanto isso, prossigo em minha listinha de coisas a fazer em casa enquanto o país pára a cada jogo.  Pintar uma cadeira, uma parede, costurar um livro, dar um up nas plantinhas, trocar botões de uma blusa. Ou trabalhar mesmo.

 

Um refresquinho

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Ninguém merece passar o dia às voltas com padres tarados, políticos sem-vergonhas e miséria de mercado, não? Por isso ofereço este retratinho, que tirei faz uns meses, do vão livre do Masp, pegando um pedacinho da Nove de Julho, que passa por baixo da avenida Paulista, e da parte de trás da rua Peixoto Gomide, no bairro de Cerqueira Cesar.

A foto não está lá essas coisas, mas esse é um dos cantinhos de que mais gosto em São Paulo.

Raimunda, como vai o Markun?

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Vocês sabem que ando trabalhando como uma moura. Sábado eu ia sair, não saí. Domingo eu ia sair, acabei não saindo pra dar conta do serviço, e hoje poder fazer outras coisas. Ontem fui dormir tão esbagaçada que tive de tomar um banho (duas horas depois do anterior) pra me sentir um pouco mais renovadinha. Deitei na cama e liguei a TV. Não havia nada que prestasse. Mas, entre essa imprestabilidade toda, gostaria de chamar a atenção para o DOC TV III de ontem, lá pras 23 horas, na TV Cultura. Não assisti a todo o programa, mas entre um zap e outro tirei minhas conclusões.

Essa senhora aí da foto se chama Raimunda, e o documentário intitula-se Raimunda, a quebradeira. Ele retrata o assentamento dos sem-terra quebradores de coco de babaçu em alguma região que não conheço. Não sei das lutas desse povo, nem de como eles conseguiram se assentar por lá. Mas isso não importa. Não importa nem pra mim, nem pra Raimunda, nem pro produtor do vídeo, nem para o Paulo Markun, presidente da TV Cultura.

O que importa mesmo é o proselitismo deslavado de Raimunda a favor de Lula. Eu não tenho estômago pra reproduzir o que ela disse literalmente, mas a lógica é essa: a.L., eles eram pobres infelizes. Agora, d.L., eles são um povo com identidádji, e têm o que comer, e etc. etc. etc.

Eu só tenho a lamentar que a TV Cultura, apesar de apinhada de petistas saindo pelo ladrão (sem trocadilhos) há tempos, agora tenha finalmente de se curvar às diretrizes “agora, sim” de seu novo presidente.

Não por ele ser petista em si. Mas por esse tipo de programação ser de baixíssima qualidade.

Não por o documentário mostrar a vida dos sem-terra. Mas por fazer propaganda política nua e crua.

Eu lamento, lamento mesmo, que o meu dinheiro e o de todos os paulistas esteja servindo pra quebrar galho de diretor revoltadinho com o sistema, e viabilize campanha para incompetentes. E lamento que o espírito democrático-aliancístico de José Serra tenha ido tão longe ao nomear Paulo Markun para a presidência da TV Cultura.

Meu único alento é que ninguém vê um troço desses, ainda mais tarde da noite. Só eu.

E viva o Domingo espetacular!

Prefeitura banca aluguel. Eu também quero

A Prefeitura de São Paulo teve a idéia de jerico de bancar aluguel pra morador de rua. Trezentos paus, assim, no mais. Pode ser que para o prefeito Kassab, para o secretário Floriano Pesaro (que acaba de voltar deslumbrado de Nova York, onde o programa já existe), isso seja trocadinho de ajuda de custo. Mas para morador de rua essa grana pode significar muito mais que ter um lugar pra morar, decentemente.

Isso quer dizer que os albergues construídos com o dinheiro de toda a sociedade – para os quais não se pode obrigar o mendigo – não deram certo.

Apesar das prioridades que o novo programa dá a mulheres com filhos, deficientes e idosos, e dos mecanismos de contrapartidas e controle que a Prefeitura certamente terá, prever apenas algumas conseqüências disso aí chega a ser até sem graça:

1) Sublocação: morador de rua muitas vezes está na rua porque quer. Por gosto mesmo. Entre ter um apartamento todo bonitinho e se submeter às regras do condomínio, e pegar essa grana de um terceiro e voltar para a rua, o que você acha que ele preferiria?

2) São Paulo, que já concentra milhares de moradores de rua oriundos de outras cidades, virará mesmo o paraíso de quem quer se dar bem. Se você mora num barraco pronto para ser levado na próxima chuva, vale a pena encarar uns dias de rua e ganhar um apê, não é mesmo?

3) Depois da aposentadoria; do empréstimo consignado; do bolsa-esmola; do vale-idoso, disso e daquilo que os governos provêm a quem não trabalha por um ou outro motivo, está aí mais uma bela chance de os familiares e amigos explorarem os velhinhos e deficientes. Periga até de a família se instalar no apartamento, e botar a vovó na rua de novo.

Em Nova York há todo um processo, que monitora a vida do cara no sentido de ele ser bancado quando não pode mesmo pagar, e bancar apenas parte quando ele pode pagar. Lá, não se quer criar o hábito de a pessoa viver à custa do Estado por esporte.

Aqui eu não sei. A impressão que tenho é que, dentro em breve, a população inteira viverá sob a boa vontade do Estado, e pagará impostos para isso. A criatura revira o lixo pra pagar 400 reais ao Estado, o Estado devolve 300 para ela viver. Se for assim, eu também vou querer um apê digrátis.

Um beijo no seu corpo

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O sr. Luis Eduardo Greenhalg (alcunhado carinhosamente de Redhalg por meu pai) tem de tomar um passiflorine, sabe? Ele é muito ansioso, afobado… Talvez seja excesso de trabalho, com tantos clientes pra defender. Eu lembro do dia seguinte à morte do Celso Daniel: Greenhalg, cuspindo nos microfones, bateu o punho na mesa metafísica do tribunal tapuia e decretou que o crime foi comum. Foi comum e pronto, não se fala mais no assunto!

Sexta-feira passada ele resolveu sair em defesa do padre Lancelotti – aquele que exerce a comunhão entre os homens -, dizendo que a imprensa está fazendo alarde em torno do caso para abafar o caso de corrupção na polícia civil envolvendo o delegado Pedro Luis Pórrio, acusado de envolvimento com o traficante Juan Carlos Abadía.

Mas o delegado está preso desde terça-feira, pô! Era só o que faltava a imprensa continuar dando manchete principal a isso, quando na sexta-feira seguinte foram localizados, através de denúncia anônima, os três amigos na fé do padre Lancelotti: Anderson Marcos Batista, Conceição Eletério e Evandro dos Santos Guimarães.

Anderson diz que a relação de amizádji entre os dois não vale 50 mangos, como Lancelotti afirmou inicialmente. Está na cada dos 600 paus. Se iso for confirmado, cai por terra a versão boazinha de Lancelotti, segundo a qual ele tirou a grana de suas economias. Ninguém consegue juntar 660 mil reais com os rendimentos declarados pelo padre – mas nem que morasse e comesse (comida) de graça.

Lancelotti, por sua vez, acha menos importante o fato de Anderson afirmar conhecer detalhes do seu corpinho, do que a Polícia Civil de São Paulo, na época de seus primeiros queixumes (governo Geraldo Alckmin), não ter tomado providências. Naturalmente ele acha que sua divina presença já bastaria para que a polícia investigasse por debaixo dos panos, sem um documento oficial assinado pelo reclamante.

Por outro lado, há reclamações contra setores da imprensa, que não andam investigando como se deve os desvarios sacerdotais de Lancelotti. Verdade. Parte da grande imprensa está pecando seriamente em um dos quesitos que formam sua missão: divertir as minorias. Aquelas que acham que padre pode muito bem sair do seu claustro social e ir direto pra outro: o xilindró. Por pedofilia ou roubo aos cofres públicos. Pode escolher.

  • Foto: Luis Eduardo Greenhalg (Andre Dusek, Terra).

PS.: Oh! Antes que eu esqueça: No Estadão de hoje, Greenhalg desclassifica as informações de Anderson, dizendo que ele não é ninguém. Bom o socialismo do século XXI do PT, hein?

Paciência, Iracema…

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Adoniran Barbosa é um caso típico de de deslumbre classe média, viu? Com exceção dos Demônios da Garoa, que sempre estiveram com ele, ali, firmes e fortes (até hoje), e de um pessoal mais chegado em São Paulo, os intérpretes mais notórios pegaram foi carona no sucesso inesperado de Trem das onze, no Carnaval de 1965. Aí veio aquela coisa irritante de todo mundo descobrir Adoniran ontem e se comportar como se tivesse nascido e se criado ao lado dele. Foi um tal de todo mundo regravar Trem das onze, Saudosa maloca, Samba do Arnesto e Iracema, excedendo as ignorâncias vernáculas que o próprio Adoniran inseria nas letras. “Fartava vinte dias pro nosso casamento” com sotaque carioca não dá. E, cá pra nós, Trem das Onze, apesar de ser uma gracinha, já encheu o saco na voz de bêbado saudoso.

(voz de Mooca, o Rick sabe como é): As pessoa que ganhou muito dinheiro com isso continua morando nos bairrrrro dos rrrrrico, né? Já o Adoniran, coitado, teve de se mandar pra Cidade Ademar – o único lugar em que conseguiu comprar uma casinha, e onde viveu até o fim.

O título deste post virou lugar-comum nos meus diálogos. Um dos versos de Iracema – “Iracema, eu perdi o seu retrato” – é uma pérola da música brasileira – um tipo de humor fino de doer.

Mas hoje, especialmente, é dia de uma mushquinha, que posto aqui pra orrrrnarrr a chuva de granizo que enfrentei à tarde:

“Gioconda, pitina mia,
Va brincar alí no mareí no fundo,
Mas atenzione co os tubarone, ouvisto
Capito meu san Benedito”.

Piove, piove,
Fa tempo que piove qua, Gigi,
E io, sempre io,
Sotto la tua finestra
E vuoi senza me sentire
Ridere, ridere, ridere
Di questo infelice qui

Ti ricordi, Gioconda,
Di quella sera in Guarujá
Quando il mare ti portava via
E me chiamaste:
“Aiuto, Marcello! La tua Gioconda a paura di quest’onda!”

  • Foto: Adoniran Barbosa na estação Jaçanã, 1965, pouco antes de sua desativação. Direitos de Wilson de Santis Jr.

 

Uma pirâmide social esburacada

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Esta foto aí eu tirei no vale do Anhangabaú, por causa da moçoila. Minha intenção era falar sobre o bundalelê que são as estátuas nesta cidade, e meu conceito foi corroborado depois, quando tentei achar o nome da bichinha. Simplesmente não consegui chegar a uma certeza, e desisti do texto.

Mas tenho muitas fotos de mendigos dublês de lúmpen, e enquadrei esta de propósito. A cidade é apinhada de mendigos. No vale do Anhangabaú, no Arouche, nos viadutos do centro, em qualquer lugar onde o ambiente possa te dar de comer sem amolar. Pena que não tenho foto do viaduto do fim da Paulista – aquele que o padre Lancelotti achou um absurdo a Prefeitura emparedar. Na certa, o melhor dos mundos de Lancelotti é ver cada vez mais gente vivendo na rua, de preferência assaltando, bebendo até cair e cheirando cola. E São Paulo tem esse pepino nas mãos. É um grande ímã de miseráveis. Já disse por aqui que a cidade conta com abrigos. Um monte deles espalhados por aí. Aqui perto de casa também tem um, onde os mendigos só vão quando precisam comer. No resto do tempo, eles perambulam pelas imediações, dormem na rua, emporcalham toda a volta e de vez em quando dão um pocket show, acordando toda a vizinhança – Rico que o diga.

Com essa história de incrementar a mendicância, ponto de honra para o socialismo do século XXI, que acha favela superlegal mas nunca subiu em uma, a única conclusão plausível a que se pode chegar é que as correntes de esquerda querem mesmo é que o país se funheque para que o discurso possa se manter. Esse negócio de levar uma vida decente, tentar estudar apesar de nosso ensino cada vez mais ignorante, e correr atrás de emprego é coisa do capitalismo selvagem.

Como gosto de observar coisas que contam no imaginário pop, ontem vi Duas caras, de propósito, já que nesse horário tenho estado trabalhando. Mas fiz “questã” pra ver a cena do personagem do Lázaro Ramos sendo espinafrado pelo do Stenio Garcia. Irreal. Quanto mais o advogado poderoso xingava o negro favelado, mais a vítima mantinha sua educação. Está certo que os favelados da Zona Sul carioca tem verniz, e podem ter certeza que sei do que estou falando. São mais de dois séculos de simbiose intensa com a Corte, não poderia ser diferente. Mas sangue de barata, aí já é ficção.

Com o episódio do “cerco” que foi feito ao zelador aqui do prédio (que não agüentou e provocou sua demissão, anteontem), mais essa cena de novela, mais o padre dos mendigos (será que com os mendigos ele tem aquela “intimidade” que tinha com os internos da Febem?), mais aquela porcaria de deslizamento no Túnel Rebouças (provocado pela favela lá em cima), formou-se uma maçaroca na minha cabeça, na busca de soluções impossíveis nas quais ninguém está interessado, com as exceções de sempre.

Primeiramente, o ser humano é um animal hierárquico. Não tem jeito, isso está enfiado na cabeça dele pela própria estrutura social desde o tempo das cavernas. Se você é o último na cadeia alimentar, sempre arranjará alguém teoricamente abaixo de você para pisar, pra poder compensar sua vida miserável. É questão de oportunidade. Quanto mais se está abaixo na escala de formação, pior será a vingança.

Depois, as pessoas tem preconceito meeeeesmo. Por mais que esteja em voga o discurso de que todo mundo é igual, o ser humano não acha isso. Faz parte dele. Ainda mais no Brasil, onde assumimos nossa dupla personalidade desde a Colônia. Negro é legal, mas namorar minha filha, não, violão! E isso não é novela.

Terceiro: o discurso de esquerda é turvo quanto a metas sociais. Seus prosélitos geralmente vivem uma vida de classe média alta, com boas roupas, bons carros, boas casas, bons vinhos, todo dia. E desejam para as classes menos favorecidas que possam ter empregos, poder comprar pão, viver em paz e ser reconhecidos e valorizados em suas… favelas. Que possam viver em paz debaixo dos viadutos. Que possam reivindicar eternamente o direito à moradia. Que possam azeitar indefinidamente uma máquina de lamentações, para que seu tipo de governo tenha razão de existir. Grande prova disso é que pensamentos/fatias sociais envolvidas com pensamentos socialistas ou comunistas estão sempre às voltas com a fome. Não conseguem se solucionar nunca.

Sei lá, mas da minha ingenuidade de estudante eu guardei alguma coisa. Gostaria de um mundo em que todos pudessem arrumar seu cantinho. Não essa história de todo mundo na universidade, até porque ensino superior é cada vez mais pré-requisito pra um emprego de 600 paus. Fábrica, também não. Deus, que até onde sei não é taylorista ou fordista, não criou o homem pra apertar parafuso. É pouco, é emburrecedor.

E aí reside o problema: entro então numa visão autoritária de bem-estar social. Quem disse que mendigos querem tomar banho e dormir numa cama limpa todo dia? Quem disse que favelados querem morar num dois-quartos na periferia, longe da grana? Quem disse que alguns negros e alguns brancos dispensariam a enorme diferença social entre si, se justamente vivem disso? Quem disse que governos, de esquerda, de direita, de centro, querem resolver problemas sociais se (também) justamente vivem disso?

Não creio que o Brasil mude. Não creio que o padre irá para a cadeia. Não creio que a favela em cima do Rebouças tenha de sair de lá. Não creio que Germano, o zelador, se livre de moradores cruéis. Não creio que os Lázaros (não lembro o nome do personagem), os Juvenais Antena, as “comunidádji” sejam todos bonzinhos imaculados. Não creio que o Barretão vá mudar de opinião. E também não creio que a Falabella agentaria por muito tempo namorar um cara culturalmente tão diferente. Não creio em mendigos felizes tomando banho todo dia e abstêmios.

O tecido social é um mafuá. Caberia ao Estado dar uma mediada nisso. Mas, para que, se seus objetivos de médio e longo prazos são justamente o contrário?

Nada de novo debaixo do Sol

Alguma coisinha nesse sentido tinha saído na Veja, mas não dava pra transformar isso em um fato. Mas desde ontem, quarta-feira, a coisa começa a tomar corpo:

A Polícia Civil abriu inquérito contra Lancelotti para apurar denúncia de corrupção de menor. Uma ex-funcionária da Casa Vida 2, na Mooca, prestou depoimento, que corre em segredo de justiça. Segundo seu testemunho, ela o flagrou fazendo carícias em um adolescente na instituição, em 1999. A polícia chegou a esta ex-funcionária depois de investigação. Teve de ir até a casa dela, e chegou a insistir para que depusesse. Ela explicou que só não denunciou na época porque achou que ninguém a levaria a sério, apesar do zumzumzum que corria na instituição a respeito do comportamento no padre em outros episódios. Ela chegou a ir à imprensa, mas ninguém publicou seu relato.

A polícia não sabe dizer se esta mulher é a mesma entrevistada pela Rede Record sobre o mesmo assunto. Ao contrário do que pensa o Reinaldo Azevedo, não posso simplesmente descartar informações de uma emissora só porque ela pertence a um Bispo que trata as outras religiões no chute.

Nem posso achar que todas as denúncias que certamente virão sejam fruto apenas de oportunismo, sede de indenizações polpudas.

Nem posso dizer “Ufa!” pelo simples fato de a Arquidiocese de São Paulo, a Câmara de Vereadores e o Congresso terem feito manifestações melosas, em vários níveis, sobre o caráter impoluto do padre Lancelotti. Não me interessa. Só quero saber o que dirá a polícia, e tenho quase certeza que ela não me surpreenderá.

Miséria X esperança

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Eu tinha ouvido no rádio e ia repassar pra vocês. Acabou saindo no Jornal Nacional, mas não custa reiterar:

A doutora Mayana Zatz faz um apelo no sentido de que os bancos, que hoje guardam só o sangue, o façam também em relação aos tecidos do cordão umbilical. Os pesquisadores de sua equipe descobriram que o tecido restante, descartado atualmente nos bancos de sangue que guardam este material dos recém-nascidos, pode ser uma fonte inestimável de células-tronco com poder fantástico no transplante de músculos, cartilagem, gordura e osso. As pesquisas ainda estão em fase inicial, mas a expectativa é que se possa, no futuro, usar este material no tratamento, por exemplo, de doenças degenerativas, genéticas e neurológicas.

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A doutora Zatz foi demonizada um tempo atrás, quando a pesquisa com células-tronco chegou ao Congresso. A bancada pró-miséria econômica e humana achou que ela iria fazer como eles fariam se entendessem do babado: comércio e indignidade. Pelo menos nesse quesito, o mundinho que eles defendem perdeu, mas a questão ainda pende no STF. Não sei o quanto os digníssimos e humaníssimos e moralíssimos e preclaros magistrados poderão implicar com cordões umbilicais. Mas a doutora Zatz espera, dentro em breve, poder falar bastante sobre isso, reacendendo a esperança de quem hoje só espera a morte. Lenta e anunciada.

  • Foto acima: TRN. Mayana Zatz, bióloga, é professora titular de genética do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências e Coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.
  • Foto abaixo: Periquito Augusto, meu sobrinho, um homem do seu tempo: quando ele nasceu, só lhe coletaram do cordão umbilical o sangue.