O Mosteiro da Luz é um dos poucos redutos da cidade em que parece que os séculos não passam. Fora o quietista que fica lá, torrando no sol, dando uma de Frei Galvão, e as senhôuras que lá freqüentam atrás das pílulas milagrosas do idem, o Mosteiro é um oásis em meio à agitada região da avenida Tiradentes.
Construído e fundado por frei Antonio de Sant’Anna Galvão em 1774, o Mosteiro da Luz é considerado o maior monumento arquitetônico colonial do século XVIII. A ele se juntaram a Igreja da Luz, fundada em 1802 – um dos raros exemplos de planta octogonal do período -, e mais recentemente o Museu de Arte Sacra, que é uma belezinha de se visitar.
Lá é possível, com um pouco de simpatia e bastante educação junto aos guias, dar uma olhadinha rápida no cemitério das Irmãs Concepcionistas, que até hoje atuam por lá, orando e trabalhando. Entre suas atividades está a enrolação daqueles papeizinhos escritos chamados pílulas, com copyright de Frei Galvão – mas é tudo digrátis. E elas assistem à missa na Igreja da Luz atrás de treliças – não sei o que elas têm de tão especial que o rebotalho não as pode ver dijeitnenhum.
Pois não é que descobriram duas múmias de duzentos anos (cada uma!) dentro das paredes de taipa do mosteiro? Seus corpos estão intactos. Uma está com as mãos unidas e a outra descansa sua cabeça no ombro da primeira. Uma delas ainda está de sapatos. Uma empresa foi chamada para combater cupins na parede, e o caminho dos bichinhos levou exatamente ao local da descoberta. Isso aconteceu no Carnaval, mas vinha sendo mantido em segredo, sei lá porque. O chato nisso tudo é que a mumificação não faz parte dos ritos católicos, e ninguém sabe por que as duas coitadas foram usadas para preencher a parede da então sacristia do frei Galvão. Acredita-se que as condições climáticas do local, mais a quantidade de argila e cal – elas não tinham caixões – possam explicar a mumificação.
O pessoal dos museus de Arte Sacra, de Arqueologia e Etnologia da USP, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Instituto Médico Legal e da Academia do Barro Branco acreditam que lá deva haver ainda uns cinco corpos. Testes com ultrassom serão feitos, além de um levantamento para apurar a identidade dos corpos com exames de DNA, o ano em que morreram, os motivos do óbito, registros feitos na época, os processos utilizados para conservar corpos. “Na Espanha, de onde vieram as freiras, havia um método de mumificação e precisamos ver se era usado aqui” – diz a diretora-executiva do Museu, Mari Marino.
Desde o século XIX as freiras passaram a ser enterradas em um ossário; portanto, a descoberta é anterior a esse procedimento. Ao todo, são 109 alminhas que descansam naquele local.