Arquivo da categoria: Cantinhos

Arte para quê?

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Este é o título de um livro da Aracy Amaral (aliás muito bom, tanto quanto sua autora, que aliás foi uma das curadoras da exposição Tarsila Viajante) que tenho aqui na minha estante, e foi logo desse título que lembrei quando vi essa coitada lá na Pinacoteca.

Cheguei a pensar que a fofolete estava encardida de cigarro, mas logo dá pra perceber que os amarelados são pontuais. E bota pontuais nisso!

Nem peguei a ficha da coitada. Mas ela merecia um restaurinho, não? Um bom-bril? Um jato de areia? Não, muito invasivo. Acho que o lado verde de uma esponja com Veja Multi-uso Campestre cheirinho de limpeza já resolvia.

Mais uma paulistana bonitona

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Como se sabe, Claudia Matarazzo é chefe de cerimonial do Palácio dos Bandeirantes. Até que me provem o contrário, ela é a pessoa mais habilitada para o cargo atualmente: é jornalista, manja de etiqueta desde o berço e nem por isso está numa redoma de luxo, como a alienada Gioconda, personagem de Marília Pera em Duas Caras. E o fato de ser irmã do secretário Andrea Matarazzo não diminui uma linha de seu vasto e bom currículo profissional.

Pois bem: com a proximidade do Natal, Claudia esteve às voltas com a escolha de um presépio para o Palácio e quase caiu pra trás quando lhe apresentaram orçamentos fantásticos; um deles chegou a 50 mil reais – é a 25 de Março “se achando”. Ela deu um basta e acabou optando por uma solução mais barata: pediu emprestado ao Museu de Arte Sacra o Presépio Napolitano (que havia pertencido a seu tio, Ciccillo Matarazzo).

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O Presépio Napolitano, criado no século XVIII e que retrata o cotidiano de uma aldeia napolitana e vai se transformando até chegar no ambiente (físico e cultural) da manjedoura em Belém, é um dos maiores do mundo. São 1.620 peças, distribuídas por – calculo – uns 10 metros. Pude conhecê-lo recentemente, e fiquei encantada. À medida que a paisagem se distancia na profundidade, o tamanho das peças segue uma perspectiva, dando a impressão de uma paisagem real. Os tijolinhos, as casas, as pessoas, os objetos são bem maiores de perto, e os do fundo são menores, como se estivessem a vários metros de distância, quando na verdade estão no espaço de um metro e meio, dois. Não tenho informações de como se armava a paisagem celeste antes de o presépio ser doado ao Museu, mas hoje há um esquema de luzes, que vai mudando conforme a hora do dia: à “tardinha”, a paisagem se enfeita com mil estrelas.

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Os detalhes são tão perfeitos, tão perfeitos que a gente até nem percebe as restaurações ocorridas desde que Ciccillo o doou à cidade, no final dos anos 1940. A partir daí, a montagem começou a ser feita na Galeria Prestes Maia. Juntou-se ao acervo do Museu de Arte Sacra em 1985. Ficou catorze anos encaixotado, em 1999 foi remontado após restauração feita por uma equipe da UFMG, e desde então sua exposição é permanente.

  • Fotos: Claudia Matarazzo (TribunalDigital; não achei nenhuma foto melhor que lhe fizesse jus); Ciccillo Matarazzo (reprodução do livro O Presépio Napolitano de São Paulo, via Vejinha On-line); Presépio Napolitano (USP): parte final, da manjedoura; e detalhe da aldeia.
  • Para saber mais: José Roberto Walker, O Presépio Napolitano de São Paulo (São paulo: Retrato, 2002).
  • Museu de Arte Sacra de São Paulo: Avenida Tiradentes, 696, ao lado do Metrô Tiradentes. Terça a domingo, das 10 às 17h. O MAS tem uma coleção de presépios, além de peças sacras muito interessantes. No meio do caminho, pode-se espichar o olho para o recolhimento das Irmãs Concepcionistas, no Mosteiro da Luz, e de quebra andar um pouquinho pelo pequeno cemitério das religiosas – coisa mais despojada não há -, onde também está a sepultura de Frei Galvão. Elas assistem à missa na Igreja da Luz através de uma treliça, sem qualquer contato com o público, a não ser pelas “pílulas” do Frei que elas mesmas confeccionam -papéis enroladinhos com uma oração de Nossa Senhora. Passo.

Um cantinho de nada

Jardim do Centro Cultural Vergueiro

Extensão do jardim do Centro Cultural Vergueiro. Avançando pelo fundo, em um desnível considerável, está a avenida 23 de Maio. Na frente, a rua Vergueiro. Entre os prédios encobertos pelas árvores está o complexo da Beneficência Portuguesa, para onde vai o viaduto de gradinhas azuis que corta a foto.

Bom pra andar, pra dar uma paradinha…

Violinista no mezanino

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Isso aqui não é propaganda, porque o Sebo do Messias é algo tão natural em São Paulo quanto o churrasquinho grego ou dizer “páááára, mêêêêuuu!!!

Ele está dispersado em várias lojinhas e lojonas na região da Praça João Mendes, e mantém ainda as tão atraentes banquinhas de um real, atividade em extinção e que transforma, a mim e a Raquel, em duas ratazanas.

Esta foto eu tirei (com a anuência do Messias em pessoa) na loja principal. Desde há algum tempo ele tem aberto o mercado de trabalho para jovens instrumentistas. Outro dia vi um rapaz no piano. E desta vez, um violinista. Pode ser até que sejam a mesma pessoa, não sei.

O que sei é que, se por um lado a música ao vivo dá um ar majestoso à atividade de refocilar em livros velhos, por outro perturba um pouco. O repertório, que sai de Mozart e entra, com a maior naturalidade, em Reginaldo Rossi e Abba, me desvia a atenção pela variedade estupendamente democrática.

De qualquer maneira, gosto muito de freqüentar esse e todos os demais sebos da região do jeito que são. Ruim será no dia em que o Messias resolver montar uma megastore na avenida Nações Unidas e botar um repertório muderno, afinado com os anseios intelequituais médios. Uma coisa meio Ana Carolina ou Lenine.  Aí danou-se!

Ária solo

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– Oi… Tudo bem?…

– …

– Você está chateado comigo? Ah, desculpa, vai, não faz essa carinha… Eu me atrapalhei no serviço e me atrasei.

– …

– Pôxa, não fica com esse beiço! Você está cansado de saber que o trânsito é complicado, e hoje não tinha metrô, e peguei um ônibus que demorou à beça, e…

– …

– Tá bom! O que posso fazer para me redimir? Quer pegar um cineminha pra ver aquele filme do Van Damme que eu não queria ver? Vâmulá, eu vou com você, e juro que não durmo!

– …

– Cara, pô! Eu trabalho, sabia? Tive de virar a noite pra terminar aquele trabalho e meu dia atrasou todo!

– …

– (com as mãos na cintura) Eu pago as minhas contas, se é que você sabe o que é isso! Não tem servicinho público de moleza pra me bancar, não! E você, me conta??? O que é que você faz nessa droga de vida que leva?? Seu papel é ficar aí, imóvel, se ofendendo com qualquer coisinha! Vai pegar um torcicolo, isso sim!

– … (na praça Ramos, tudo mundo já começa a olhar).

– Cacete! Quer saber de uma coisa? Eu vou embora! Não quero mais saber de olhar pra sua cara, tá sabendo? Vou cuidar da minha vida e encontrar um idiota que PELO MENOS divida a conta, porque estou cansada da sua parvoíce. Humpf! “Profissão: cagador de regras!”. Eu sou uma trabalhadora! Tra-ba-lha-do-ra!!!!!!!! (o povo já fez uma rodinha na escadaria do teatro)

– …

(a multidão se dispersa lentamente, à procura de outro espetáculo de rua).

 

  • Foto: Gárgula mal-humorada na fachada do Teatro Municipal de São Paulo, Praça Ramos de Azevedo.

 

Um cantinho de nada

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O melhor das cidade são os cantinhos. São os lugares pelos quais sempre se passa correndo, que não saem nos jornais, que não viram exemplo arquitetônico de nada.

Esta é a lateral de um edifício residencial na rua Dona Veridiana, já chegando em Santa Cecília. A impressão que dá é que o portão não é aberto há muito tempo. Garagem não é, pois há esse canteiro com uma árvore, bem em frente. As plantas o invadem, o que o torna ainda mais bonito.

O mais bacana é que ele é o que é. Nunca almejou nada, nunca foi desprezado a ponto de ser removido; está lá porque deve estar e pronto. Ele é a personificação do tempo que nunca interferiu em nada, do tempo que não foi acusado de degradar ou modernizar coisa alguma. O tempo tempo.